quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Keynes

A última cimeira europeia foi um desastre. Tanto o Reino Unido como a Alemanha jogaram o jogo errado

A última cimeira europeia foi um desastre. Tanto o Reino Unido como a Alemanha jogaram o jogo errado: o primeiro-ministro britânico David Cameron isolou o Reino Unido da Europa, enquanto a chanceler alemã Angela Merkel isolou a Zona Euro da realidade.

 
Se Cameron tivesse levado à cimeira uma agenda para o crescimento económico, poderia ter-se batido por algo real e não lhe teriam faltado aliados. Pelo contrário, aceitou a agenda de austeridade de Merkel – que o seu governo está a implementar de forma independente – e escolheu vetar a proposta de um novo tratado europeu para a proteger o centro financeiro de Londres. Esta decisão agradou aos eurocépticos do Partido Conservador de Cameron mas não ofereceu nada para contrariar a medicina letal prescrita pela dama de ferro alemã.

 
O acordo alcançado em Bruxelas exclui qualquer possibilidade de uma gestão keynesiana da procura para combater a recessão. Os défices orçamentais “estruturais” estarão limitados a 0,5% do PIB, com sanções (ainda não conhecidas) para os infractores.

 
Esta é a cura errada para a crise da Zona Euro. A doutrina Merkel parte do princípio que a crise resulta da irresponsabilidade dos governos e, assim, apenas uma regra “dura” sobre o orçamento pode evitar que estas crises voltem a acontecer.

 
Mas a análise de Merkel está totalmente errada. Não foram os défices excessivos que provocaram o colapso económico de 2007 e 2008 mas sim a excessiva concessão de créditos por parte do sector bancário. O aumento das dívidas públicas foram uma consequência da recessão económica e não a sua causa. O que deveria ter sido integrado na estrutura institucional da União Europeia era uma regulação financeira mais dura e não uma austeridade orçamental permanente. E tem havido poucos sinais no sentido de endurecer a regulação financeira.

 
Para já o mais importante é o falhanço da “união orçamental” na recuperação europeia. Os números são desanimadores: antes da cimeira, o Banco Central Europeu baixou a sua previsão de crescimento do PIB da Zona Euro em 2012 de 1,3% para 0,3%. Uma estimativa optimista. De facto, a Zona Euro vai contrair-se na primeira metade do ano – e provavelmente na segunda, devido às medidas de austeridade que estão a ser aplicadas – aumentado a pressão sobre os bancos e as dívidas soberanas.

 
A razão para a recuperação do crash de 2007 e 2009 ter sido tão anémica é simples. Quando uma economia diminuiu, a dívida pública aumenta automaticamente, porque as receitas caem e os gastos aumentam. Quando se cortam os gastos, a dívida cresce ainda mais, porque os cortes provocam uma nova contracção da economia. Assim aumenta, e não diminui, a probabilidade de um governo entrar em incumprimento.

 
Na Zona Euro, a maioria da dívida pública é detida por bancos privados. À medida que esta dívida aumenta, o valor dos activos dos bancos diminui. Ou seja, a crise da dívida soberana afecta os bancos. Ao submeter os governos debilitados a um racionamento férreo, como Merkel fez, tornou a crise financeira inevitável. Continuar a defender a salvação através da austeridade, à medida que a economia abranda e os bancos colapsam, é repetir o erro clássico do chanceler alemão Heinrich Brüning em 1930-1932.

 
Desde logo, a Zona Euro precisa mais do que um resgate. A periferia precisa de recuperar a competitividade e alguns ficaram animados com a redução dos défices comerciais dos países do Mediterrâneo – os desequilíbrios comerciais estruturais dentro da Zona Euro estão a corrigir-se, argumentam. Infelizmente, estas correcções não resultam de um aumento das exportações mas da queda das importações, consequências dos reduzidos níveis de actividade económica.

A ideia de que um país pode alcançar um excedente orçamental não importando nada é tão extravagante como a ideia de que um governo pode pagar a sua dívida sem receitas. O gasto de uma pessoa é o rendimento de outra. Ao insistir que os seus parceiros comerciais devem reduzir os gastos, Merkel está a cortar uma das suas principais fontes de crescimento.
Assim, conseguirá a moeda única sobreviver? Duas políticas, que em conjunto, podiam salvar o euro estão fora da agenda. A primeira é a emissão de moeda (flexibilização quantitativa) a uma escala heróica. O Banco Central Europeu deveria ter o poder de comprar o montante necessário de obrigações gregas, italianas, espanholas e portuguesas que permitisse baixar os juros da dívida destes países para o nível da alemã. Isto poderia estimular o crescimento real através de vários caminhos: reduzindo as taxas de juros dos empréstimos, aumentando o valor nominal dos activos públicos e privados e enfraquecendo o euro face ao dólar e outras moedas.

Mas os efeitos de uma flexibilização quantitativa na actividade económica são incertos e, tal como uma política inflacionista, poderia provocar retaliações por parte dos parceiros comerciais da Europa.

 
É por isso que a flexibilização quantitativa deve ser aplicada em conjunto com um programa de investimento à escala da Zona Euro destinado a modernizar as antigas infra-estruturas do sul e do leste da Europa. Os gastos de capital dos governos, ao contrário dos gastos correntes, podem ser auto-financiados através dos utilizadores. Mas mesmo que não sejam, uma política de investimento bem escolhida produz retornos elevados: novas estradas reduzem os custos de transportes e novos hospitais geram uma força de trabalho mais saudável.

Já existe uma instituição, o Banco Europeu de Investimento, para aplicar este programa. Deveria ser recapitalizado numa escala que permitisse anular os efeitos contraccionistas do para dos programas nacionais de redução do défice.

A flexibilização quantitativa, em conjunto com o investimento público, poderia gerar o crescimento económico que a Zona Euro, urgentemente, necessita para reduzir, gradualmente, o peso da dívida. Mas é quase certo que nenhuma destas políticas, e muito menos as duas, vai ser implementada.

O Banco Central Europeu tem comprado, discretamente, obrigações no mercado secundário mas o novo governador, Mario Draghi, já garantiu que esta intervenção é temporária, limitada e visa apenas “repor o funcionamento dos canais de transmissão monetários”. Na última cimeira europeia, ninguém sugeriu transformar o BEI num motor de crescimento. E, sendo assim, a crise vai continuar.

Isto significa que a Zona Euro não tem salvação: o euro vai sobreviver mas a zona vai diminuir. A única questão é a escala, o tempo, e a forma da sua desintegração. A Grécia, e possivelmente, outros países do Mediterrâneo, vão entrar em incumprimento e recuperar a liberdade de emitir moeda e desvalorizar as suas taxas de câmbio.

Haverá ondas de choque em todo o mundo. Mas as vezes as ondas de choque são necessárias para quebrar o gelo e permitir que a água volte a correr.

Robert Skidelsky, membro da British House of Lords, é professor honorário de Economia Política na Universidade de Warwick.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2011.

www.project-syndicate.org



terça-feira, 29 de novembro de 2011

A curva de Laffer (Os impostos em Portugal)

Curva de Laffer
De acordo com um estudo da empresa de consultoria de recursos humanos Mercer, a Alemanha ocupa a terceira posição no ranking dos maiores custos de mão-de-obra da Europa. Com uma média de 50,4 mil euros por empregado por ano, a Alemanha só fica atrás da Bélgica (53,6 mil) e da Suécia (52,8 mil).
Na Alemanha não existe salário mínimo no entanto segundo um estudo do Eurostat, realizado em 1 de Janeiro deste ano e por comparação, o Luxemburgo está em primeiro lugar no que respeita ao salário mínimo europeu, com 1.642 euros brutos por mês.
A Irlanda no entanto e para termos um termo comparativo mais corrente está com 1.462 euros de salário mínimo mensal e até a Grécia tem um salário mínimo de 862€.
A nossa observação neste Post , não se prende com o salário mínimo.

A nossa observação prende-se com o nível absolutamente exorbitante de carga fiscal existente em Portugal.
Portugal tem um salário mínimo que não chega aos 500€ e no entanto paga neste momento impostos ao mesmo nível da Alemanha.
Em Portugal não existe na verdade neste momento “ Politica Fiscal “ mas sim “esbulho fiscal “ declarado.
Só para que exista uma percepção da realidade nos seis anos de governação do nosso Engenheiro Relativo , “só o IVA” aumentou 21% de 19% para 23% e nos últimos 15 em 35%.
http://www.youtube.com/watch?v=BDwSzZAYRMU&feature=related
Esta festa está contudo a acabar … e muito provavelmente vai acabar mal
A curva de Laffer é, em economia, uma representação teórica da relação entre o valor arrecadado com impostos por um governo e todas as possíveis razões de taxação. É usada para ilustrar o conceito de "elasticidade da receita taxável ". Para se construir a curva, considera-se o valor obtido com as alíquotas de 0% e 100%. É óbvio que uma alíquota de 0% não traz receita tributária, mas a hipótese da curva de Laffer afirma que uma alíquota de 100% também não gerará receita, à medida que não haverá qualquer incentivo para o sujeito passivo da obrigação tributária receber ou conseguir qualquer valor. Se ambas as taxas - 0% e 100% - não geram receitas tributárias, conclui-se que deve existir uma alíquota na qual se atinja o valor máximo. A curva de Laffer é tipicamente representada por um gráfico estilizado em parábola que começa em 0%, eleva-se a um valor máximo em determinada alíquota intermediária, para depois cair novamente a 0 com uma alíquota de 100%.
Um resultado potencial da curva de Laffer é que aumentando as alíquotas além de certo ponto torna-se improdutivo, à medida que a receita também passa a diminuir. Existe uma hipotética curva de Laffer para cada economia. Este conceito é importante na medida em que do nosso ponto de vista já estaremos ou no limite ou para lá dele com o aumento de impostos que se vai verificar o que a ser real se traduzira potencialmente numa diminuição de receita e não num aumento como poderá vir a ser constatável durante o próximo ano de 2011.




Curva de Laffer
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Fonte:
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Market Trend

Cumprimentos

José AB Machado

terça-feira, 1 de novembro de 2011

E a Procura Álvaro ??? A Economia pelo lado da Procura

Mais uma vez os executores de políticas neo-liberais consubstanciada no pensamento neoclássico e monetarista querem atirar areia para os olhos dos portugueses.
Tem-se dado algum ênfase à questão da meia hora suplementar diária sem a respectiva retribuição, bem como, a contínua precarização das relações laborais com a diminuição de indemnizações por despedimento, contando a partir de hoje (1 de Novembro de 2011) apenas 20 dias por ano para efeitos de indemnização, com um tecto de 12 meses, entre outra legislação. Por isso, hoje é um dia triste para os trabalhadores, para os trabalhadores dedicados, assíduos, que lutam diariamente pelo seu posto de trabalho e pela empresa onde deixam várias horas diárias do seu tempo. Para aqueles trabalhadores que vêem na formação contínua, não uma obrigação, mas uma forma de melhorar a produtividade, e progredir na carreira, almejando uma remuneração melhor.
Mas para este governo, aliás para esta europa, importa é atacar o salário, direitos que nos sinalizam que não somos máquinas, mas somos homens e mulheres com família, amigos, com anseios, desejos...em suma vidas....
O que nos traz este capitalismo terrorista (tenho mais receio dos mercados financeiros e dos seus protagonistas do que os Bin Laden's que andam por aí), é o ataque constante e permanente das bases sociais que fomos construindo desde o pós guerra, e Portugal, após o 25 de Abril.
A sociedade que está sendo criada agora, é uma sociedade que se irá caracterizar pela inveja, o vale tudo, a ganância, a supremacia já patente do capital, sobre o trabalho, menos cuidados de saúde, menos educação pública, uma erosão demográfica, que não haverá memória, com consequências intergeracionais trágicas.
Mas estes senhores do governo acham que aumentar meia hora por dia nas empresas é uma lufada de ar fresco na competitividade das empresas (ministro Álvaro dixit). Mas qual competitividade,  quem haverá para comprar os produtos a mais produzidos por essa meia hora adicional, se não há salários.
Com 13% de desempregados é completamente irrelevante esse aumento de meia hora, simplesmente não há procura para isso, e apenas permitirá aumentar o desemprego.
Internacionalmente, o impacto nos bens transacionáveis é igualmente irrelevante. Com queremos competir ? Com os Chineses ? Então haja coragem e reduzam os nossos salários para 50 euros mês. Acabe-se com a segurança social, o sistema nacional de saúde e a escola pública. Assim seremos competitivos.
Esta crise é uma crise de confiança gerada pelo capital especulativo mundial que está a dar cabo da economia.
Apenas restaurando a confiança nos Estados, e não nos mercados é que podemos desconstruir este ciclo vicioso.
Apenas com políticas activas do lado procura, restituindo capacidade creditícia responsável, parando a erosão salarial, domesticando os mercados financeiros, taxando convenientemente o capital, acabando com a indepêndencia do BCE e alterando os seus estatutos, investimento público sectorial, e dedicado, apoio à inovação investigação e desenvolvimento, maior integração das universidades e melhor financiamento, é que podemos atacar verdadeiramente os verdadeiros cancros da sociedade, os milhares e milhares de desempregados, precários e a malfadada erosão salarial, senão continuaremos a adicionar austeridade em cima de austeridade, para gaúdio do capital financeiro.
Portugal vai assim alegremente empobrecendo, paliativo aqui, paliativo ali.
Mas este capitalismo, como já profetizara Marx, encerra em si mesmo a semente da sua própria destruição, mas a que preço ???

sábado, 17 de setembro de 2011

Assistir de Camarote

Sim...estamos aparentemente a assistir de camarote a um fenómeno histórico que condicionará a Europa, e o seu papel no mundo nas décadas vindouras.

A centralidade da Europa, como um continente decisivo, impositivo, dinâmico e dominador foi seriamente afectado na 1ª metade do século XX com o rescaldo das duas grandes guerras, empurrando a centralidade para os ex colonizados EUA.

Contudo, no pós segunda guerra, as relações materiais e imateriais entre a Europa e os EUA, a tipificação de uma sociedade social assente num Estado presente, em mercados regulados e especulação financeira domesticada, as diversas independências africanas justas, mas anarquicas, a emergência de novas potências económicas, baseadas em modelos de desenvolvimento alicerçadas em dumping social, a dependência em combustíveis fósseis, mantiveram a capacidade da Europa sonhar, sonhar ao ponto de constituir uma moeda única, que neste momento, poderá ser a causa próxima do seu próprio desmembramento, qual "hara-kiri", infligido, por uma mentalidade económica e social de políticos ineptos, sem ideologia, sem história, e sem saber.

Desde os tempos imemoriais do império romano que a Europa foi-se espalhando, procurando dentro das suas próprias diferenças, pontos em comum,  a dominação militar e dos recursos económicos dos povos e continentes vizinhos. Mas também uma moeda comum, leis comuns até as raízes de uma religião comum.

Desde o desmembrar do imperio romano, e a fixação de novas geografias administrativas, que as convulsões na Europa não pararam.

Constantes guerras, não foram capazes de dizimar uma Europa, que foi a Europa dos descobrimentos, do progresso científico, das universidades, da revolução francesa, do renascimento, da revolução industrial, de guerras infinitas, e o centro de duas grandes guerras que puseram o mundo em alvoroço à beira do seu próprio abismo.

É esta mesma Europa que em pleno século XXI institui o EURO, uma moeda única a 17 países, que não consegue salvar a Grécia, coloca Portugal em sentido com medidas de austeridade.

Esta mesma Europa do Parthenon de Atenas, e do Coliseu de Roma, que não consegue domesticar mercados gananciosos, consituídos por Bancos dos seus próprios Estados, fundos de diversa origem e feitio, da longínqua Ásia, até aos petro-dólares, ávidos de rentabilizar as suas enormes poupanças, à custa da desindustrialização europeia e falta de engenho e arte de procurar alternativas aos combustíveis fósseis.

Esta mesma Europa que geme diariamente com os permanentes ataques dos mercados aos países fragilizados.

Com a Alemanha, o BCE à procura de um milagre, completamente fossilizados no tempo e em ideologias que apenas servem para agravar os problemas existentes.

Por isso, estamos de facto a observar, qual geração privilegiada, e no centro das nossas casas, pela televisão adentro, o princípio do fim de uma civilização, simbolicamente iniciada pelo país pai e mãe da civilização ocidental, a Grécia.

Se nada for feito, se não mudarmos a estrutura das nossas organizações, a mentalidade dos nossos políticos e acima de tudo a mentalidade das pessoas que elegem este políticos, é a isto que vamos continuar a assistir, mas enfim... no princípio era o Verbo... será sempre assim????????  

Precisamos de uma Europa que faça a síntese de Keynes e Beveridge (A Europa Social)  e Schumpeter (saltos tecnologicos para um novo desenvolvimento), mas agora que chegue a todos e volte-se a espalhar pelo mundo...

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O que são os mercados e a especulação financeira?

O que são os mercados e a especulação financeira?


Os mercados financeiros estão em todos os lados, mas em geral ainda há um amplo desconhecimento acerca do que são realmente e de como funcionam. Breves notas que possam ajudar a resolver dúvidas. Por Alberto Garzón Espinosa, Conselho Científico da ATTAC.

Artigo
28 Agosto, 2011 - 12:55

A única lógica do capital financeiro é procurar as oportunidades de maior rentabilidade e, se possível, criá-las. Entre todos os conceitos que agora pululam em todos os debates políticos, que antes estavam praticamente reservados aos debates técnicos entre economistas, há um de especial interesse que convém ajudar a clarificar: o de mercados financeiros. Efectivamente, hoje os mercados financeiros estão em todos os lados (televisão, imprensa e inclusivamente nos bares), mas em geral ainda há um amplo desconhecimento acerca do que são realmente e de como funcionam. Por isso decidi fazer umas breves notas que possam ajudar a resolver algumas dúvidas importantes.



O que é um mercado?



Em primeiro lugar convém recordar que o termo mercado faz referência ao espaço, físico ou virtual, onde compradores e vendedores de algum bem ou serviço se encontram. Isto é, existe mercado onde se trocarem produtos entre duas partes, a que os compra e a que os vende, e portanto qualquer produto tem o seu mercado. Isso significa que se nós queremos vender o nosso velho livro de economia neoclássica, por já não nos servir, o que temos de fazer é ir a um mercado onde possamos encontrar compradores para o mesmo. Logicamente não vamos ao banco vendê-lo. O que fazemos é procurar um mercado de livros em segunda mão. Quando vamos directamente à livraria de segunda mão, o que estamos a fazer é ir a um mercado, o dos livros em segunda mão, porque sabemos que essa livraria actuará como intermediário. A livraria encarrega-se de reunir compradores e vendedores e de tratar de ir realizando transacções em troca duma comissão. A livraria compra-nos o livro a 5 euros e vende-o a 7 euros. Actua como intermediário e como criador de mercado, dado que em si mesma a livraria é o mercado. Pode haver muitas mais livrarias desse tipo na mesma cidade, e inclusivamente livrarias online, e ao negócio completo chamamos em abstracto o “mercado de livros em segunda mão”.



A liquidez e o preço num mercado



Quanta mais participação houver num mercado, maior capacidade teremos nós para poder comprar e vender os nossos bens e serviços. Se acontece haver poucos vendedores e poucos compradores de livros, o mercado será lento e ineficiente. Se queremos vender o nosso manual de economia neoclássica e acontece que dentro dos poucos compradores potenciais de livros não há nenhum a quem interesse a economia, não poderemos realizar a venda. Isso significa que continuaremos a esperar um comprador com o livro na mão. Diz-se então que o mercado é pouco líquido, quer dizer, que a capacidade de converter os bens em dinheiro constante e sonante é muito reduzida. Se, pelo contrário, houvesse muitos vendedores e muitos compradores, seria bem mais simples encontrar outra pessoa que quisesse o livro, pelo que talvez em muito pouco tempo obtivéssemos o dinheiro.



E da relação entre o número de compradores e o número de vendedores surgem os preços. A partir da seguinte regra: para maior procura, maior preço (e para maior oferta, menor preço). Se, por exemplo, vamos com o nosso livro de economia a uma livraria especializada em física é provável que não encontremos compradores e que o intermediário - sabedor disso - não queira comprar-nos o livro ou nos ofereça por ele um preço muito baixo, digamos de 1 euro. Se ao invés nos dirigirmos a uma livraria especializada em economia então ali sim terá muitos compradores e, portanto, procura. Se quiséssemos vender o livro directamente aos compradores estes competiriam entre si para oferecer o melhor preço com que nos convencer. Exactamente como num leilão. Assim o intermediário - sabedor disso também - oferecer-nos-á pelo nosso livro um preço bem mais alto, digamos de 5 euros.



Cada mercado tem os seus participantes



No mercado de livros em segunda mão costumam participar unicamente indivíduos particulares que desejam comprar e vender livros, mas não participam bancos, empresas ou agentes económicos maiores. Isto porque cada mercado costuma ter o seu próprio tipos de participantes. O mercado imobiliário, por exemplo, faz referência ao espaço onde se encontram compradores e vendedores de casas. Aí já não só encontramos particulares como também encontramos em ambas as partes (do comprador e vendedor) bancos, grandes empresas ou inclusivamente o Estado. Todos esses agentes negoceiam os preços com que comprarão e venderão as casas.



E isto é muito importante porque todos esses agentes que não são indivíduos, e pelo seu poder económico, podem modificar o mercado com facilidade. Precisamente porque têm a capacidade económica, já que manejam grandes somas de dinheiro, podem comprar e vender de forma estratégica, procurando ser favorecidos nas transacções. Por exemplo, os bancos actualmente têm em Espanha grandes existências de moradias à venda mas que não conseguem vender. Mas em Espanha também há gente que quer comprar casas. A chave está em que os preços de oferta e os preços de procura não coincidem, quer dizer, aquilo por que os compradores estão dispostos a pagar é muito menos do que aquilo porque os vendedores estão dispostos a vender. Se os bancos baixassem os preços das casas, então os compradores poderiam estar de acordo. Os bancos, além disso, reduzem artificialmente a oferta de moradias ao não pôr à venda muitas das casas que têm, criando dessa forma uma escassez aparente para manter os preços altos.



E isto é crucial. Quando há poucos participantes no mercado (numa das partes) ou um participante é muito poderoso economicamente pode influir muito em como evoluem as transacções. Digamos que pode influir na oferta e na procura e portanto nos preços. Os três ou quatro bancos maiores podem pôr-se de acordo para não baixar os preços das casas e manter-se à espera que os compradores se atrevam a oferecer mais, ou então podem também comprar em massa casas para elevar artificialmente o preço (já que sobe a procura).



O mercado de dívida pública



Todos os mercados a que antes fizemos referência são mercados de bens físicos. Agora vamos entrar nos mercados financeiros, isto é, naqueles em que se negoceiam títulos que implicam compromissos futuros de pagamento. O mais conhecido pela sua radiante actualidade é o mercado de dívida pública.



O mercado de dívida pública é o mercado onde se encontram, por um lado, os países que precisam de financiamento e, por outro, os investidores que estão dispostos a proporcionar-lhes esse financiamento. Já sabemos que quando um Estado tem défice (menores rendimentos do que gastos) precisa de pedir prestado e uma das formas para o fazer é emitir títulos de dívida pública. Esses títulos que emite são comprados por investidores que o que fazem na realidade é emprestar ao Estado esse dinheiro em troca de, num prazo de tempo determinado, o Estado lhes devolver esse dinheiro juntamente com uma percentagem de juros. À percentagem de juros chama-se rentabilidade.



Como todos os Estados têm necessidade de endividar-se, o mercado de dívida pública está sempre muito activo, especialmente em tempos de crise. Há muita oferta (títulos de dívida pública de diferentes países) e muita procura (investidores que procuram rentabilidade segura, já que se supõe que os títulos de dívida pública são os mais seguros; se o Estado não paga é porque a coisa está mesmo mal). E neste mercado os participantes são fundamentalmente os grandes investidores financeiros (banca e fundos de investimento geridos por eles), e já não tanto os particulares (que de qualquer forma podem participar).



Se nós formos o gestor de um fundo de investimento de um banco, isto é, uma pessoa que tem a seu cargo uma grande quantidade de dinheiro que quer revalorizar, isto é, converter em mais dinheiro, temos de avaliar se nos convém investir no mercado de dívida pública. E se decidimos que sim, devemos também decidir que títulos concretos de dívida pública comprar. Por isso vamos ao mercado de dívida pública e vemos o que oferecem os diferentes países.



O sistema de venda de títulos é por leilões, embora haja vários tipos de leilões, assim como também há vários tipos de títulos e vencimentos (prazos de devolução), portanto cada país oferece um preço pelos seus títulos de dívida. Os investidores procuram sempre os títulos mais baratos porque são os que oferecem mais rentabilidade. Segue-se o seguinte raciocínio: um menor preço reflecte mais insegurança e maior rentabilidade. Se o preço é baixo significa que há poucos compradores e isso as pessoas não confiam suficientemente que se lhes devolva o dinheiro, pelo que esses compradores exigem uma rentabilidade mais alta. Se um país, por exemplo Espanha, oferece títulos e ao leilão vão poucos compradores, então terá de baixar o preço dos seus títulos e, portanto, subirá a rentabilidade dos mesmos, isto é, pagará mais por conta dos juros por cada título que venda aos investidores.



Na realidade, cada país está a fazer os seus leilões e a chamar dessa forma os investidores. E os resultados desses leilões são diferentes segundo os países, diferenças das quais nascem conceitos como o de “prémio de risco” (que quantifica a diferença de rentabilidade oferecida pelos países em relação à Alemanha, que é o país com economia mais sólida). Supõe-se então que os preços dos títulos reflectem os fundamentos da economia ou, mais concretamente, a capacidade que cada país tem para devolver o dinheiro. Mas na realidade não depende só disso.



A especulação no mercado de dívida pública



Sabemos então que, por um lado, temos oferta (países) e por outro lado procura (os investidores), que se reúnem no mercado de dívida pública para negociar. Uns procuram financiamento e outros oferecem-no em troca de uma percentagem em juros e do compromisso da devolução do dinheiro emprestado. E, como em qualquer mercado, também se pode influir nele para criar melhores condições que nos favoreçam.



Suponhamos agora que eu sou um investidor. Concretamente sou George Soros, gestor de um fundo de investimento multimilionário. Levanto-me pela manhã e vejo nos ecrãs do meu escritório como estão os indicadores fundamentais da economia (crescimento, inflação, etc.), as notícias de última hora (as declarações dos governos, por exemplo), os leilões de dívida pública programados para hoje e também os mercados secundários de dívida pública (que são os lugares onde se compram e vendem os títulos de dívida pública pela segunda e mais vezes; como os livros em segunda mão, só que em títulos). Então planeio a minha estratégia.



Como faço a gestão dum fundo multimilionário, tenho capacidade para mover o mercado, quer dizer, a minha oferta de compra ou venda é tão abundante que é praticamente a totalidade do mercado. Se decido comprar títulos de dívida pública de Espanha, isso incrementará a procura e enviará um sinal ao resto dos investidores: as pessoas estão a comprar títulos de Espanha, o que quer dizer que confiam neles e portanto são mais seguros. Em consequência disso o preço sobe e a rentabilidade cai. A Espanha poderá conseguir dinheiro mais barato (pagará menos a título de juros). Mas claro, para que eu, George Soros, hei-de querer comprar títulos que me dêem pouca rentabilidade? Tenho melhores planos, concretamente imitar a estratégia que um tal George Soros fez no Reino Unido nos anos noventa e que fez a um país inteiro ceder ante si (ver aqui).



O que faço como investidor é o seguinte: vou ao mercado secundário de dívida pública e peço emprestados muitos cupões, uma grande quantidade. Quando tiver todos esses cupões vou preparando o terreno para o ataque, o que consigo graças à publicação de rumores e exageros (“Espanha vai mal”, “as contas não saem”, “os planos não funcionam”, “são precisam mais cortes”, etc.) e quando os tambores de guerra tiverem soado o suficiente… nesse momento vendo em massa todos os títulos que me emprestaram a um preço de 1.000 euros o título. Então o resto dos investidores, que estão também a olhar para os seus ecrãs vêem o seguinte: notícias de desconfiança em Espanha e um número brutal de venda de títulos de dívida pública. Esses investidores raciocinam pensando que os investidores estão a vender títulos de dívida pública porque não confiam e então todos fazem o mesmo. Produz-se um estouro com muitas decisões de venda que fazem baixar os preços. E quando os preços baixarem muito, apareço eu outra vez, George Soros, e compro-os em massa a 200 euros o título.



Consequências de todo o processo: vendi os títulos a 1000 euros e comprei-os a 200 euros. Como eram emprestados também terei que pagar um pouco a título de juros na hora de devolver, mas continuarei a ganhar. E a outra consequência é que Espanha está sob ataque permanente e no próximo leilão que faça os investidores exigir-lhe-ão muito maior rentabilidade porque em teoria o mercado (secundário de títulos) está a reflectir que não garante bem a devolução dos títulos, isto é, que a sua política económica deve mudar para assegurar mais confiança. É então que chegam os planos de ajuste “impostos” pelos mercados financeiros e a já conhecida “chantagem dos mercados“.



Os agentes financeiros e as operações especulativas



Com o nosso eu do exemplo, George Soros, está o sistema financeiro repleto. E não é para menos, já que a única lógica do capital financeiro (esse dinheiro que procura transformar-se em mais dinheiro) é nem mais nem menos do que procurar as oportunidades de maior rentabilidade e, se possível, criá-las. Os especuladores são na realidade os próprios investidores, não são uma figura diferente, já que a sua lógica é a única coisa que conta. E como tal operam como os tubarões: farejam sangue (por exemplo qualquer notícia real de uma economia, tal como as armadilhas contabilísticas da Grécia) e atacam sem piedade extorquindo até ao limite. Não há investidores bons nem investidores maus: são todos investidores a operar com as suas próprias regras, naturalmente imorais e anti-sociais (pois só respondem perante a rentabilidade). É um capitalismo de hiper-concorrência (ler isto para ver exemplos e entender a lógica) e só os mais “espertos” ganham. Os mercados financeiros não são entes abstractos, como nos fazem crer, e também não são entidades divinas que nos dizem o que está bem e o que está mal. São simples jogadores de casino aproveitando o seu imenso poder para fazer e desfazer a economia mundial, sem atender às consequências.



Durante mais de trinta anos de hegemonia do neoliberalismo estes agentes (bancos, fundos de investimento, grandes empresas, etc.) criaram as condições para explorar muito mais este negócio. Têm desregulado os mercados, permitindo a sua expansão a todos os níveis e eliminando quase todas as normas que limitavam diferentes práticas, assim como criaram produtos financeiros complexos com que continuar a jogar mais e mais para continuar a responder ao mesmo objectivo. O exemplo de George Soros é um mais entre tantas outras formas de manipular um mercado qualquer. E as conspirações não faltam quando todos os investidores se aproveitam dessas situações em que quem paga no final é o Estado.



Por tudo isto, e por bem mais, estamos completamente legitimados quando dizemos que neste mundo, o nosso mundo de hoje e não o do século 20, a classe dominante, que se resguarda atrás dos bancos e fundos de investimento, está a explorar e depenar as classes populares. E como disse o multimilionário Warren Buffet “a luta de classes continua a existir, mas a minha é que vai ganhando”. Para mudar esse facto, creio que precisamos de começar a compreender a essência dos fenómenos que estão por trás de cada passo de regressão social.



1 Agosto 2011



Retirado daqui.



Tradução de Paula Sequeiros para o Esquerda.net



terça-feira, 30 de agosto de 2011

Para combater o Estado fiscal de classe (Ladrões de Bicicletas)

Sexta-feira, 26 de Agosto de 2011


Para combater o Estado fiscal de classe



Portugal destaca-se por ter uma estrutura fiscal em que os impostos regressivos, como o IVA, têm um peso acima da média europeia no total dos impostos arrecadados, enquanto os impostos tendencialmente progressivos, como o IRS, têm um peso abaixo da média. Isto para já não falar dos impostos sobre o património, cujo peso é metade do registado no restante mundo desenvolvido. Que tal criar um imposto único sobre todo o património, mobiliário e imobiliário, com taxas progressivas, claro, e que onerasse especialmente as grandes concentrações de riqueza? Que tal reintroduzir um imposto sobre as heranças bem desenhado para dar alguma substância ao discurso sobre o mérito? Que tal incluir todos os rendimentos, do trabalho e do capital, em pé de igualdade para efeitos de IRS? Que tal continuar a desbastar os iníquos benefícios e deduções fiscais? Não seria melhor do que andarmos a brincar à cosmética fiscal para parecer que os mais ricos também estão no mesmo barco? Já ouço fiscalistas com demasiada consciência de classe: ai que eles fogem, os capitais. Esta imoral economia da chantagem, geralmente nunca formulada na primeira pessoa do singular porque até a arrogância da fortuna é temperada por alguma consciência das normas formais de uma sociedade civilizada, ou seja, por um pouco de vergonha na cara, é sempre menos poderosa do que se julga e, de qualquer forma, deve poder ser contrariada pela reintrodução de algum tipo de controlo sobre os capitais, quer sob a forma de taxas, quer sob a forma de registos mais rigorosos sobre quem detém o quê e onde.



Postado por João Rodrigues às 26.8.11

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Agricultura de Proximidade

Na proximidade do verão de 2009 assisti a um seminário organizado pelo Bloco de Esquerda no Hotel Turismo em Braga. O tema era sobre o mundo rural, e as suas interacções com o mundo actual.
Para o efeito, a entidade organizadora convidou proeminentes especialistas da área em questão.

O ponto essencial que me chamou mais atenção teve a ver com a agricultura de proximidade, e lembrei-me agora deste assunto, quando vejo alguns políticos, responsáveis até pelo desmantelamento das nossas estruturas agrícolas e piscatórias, à 15 / 20 atrás, apelam hoje ao retorno à terra, aos jovens etc etc etc.

Levamos demasiado à letra que os países mais evoluídos e criadores de riqueza, seriam países com um peso mínimo do sector primário, e um peso máximo do sector terciário (vulgo serviços). Nada mais errado. O que importa são os níveis de produtividade e competitividade de cada sector. No caso do sector primário, sem dúvida que a aposta na modernização, da fixação de pessoas, remunerando-as justamente, activando meios de escoamento de produtos, desenvolvendo um mix de investimento público e privado no sector, resultaria sem dúvida numa menor dependência de Portugal a nível alimentar, sabendo que o nosso déficit alimentar ronda em 2010 os 3 mil milhões de euros (ver: http://www.anilact.pt/component/content/article/3656-contrariar-dependia-externa-e-apoiar-agricultores) importando 75% daquilo que consome em alimentos, com todos os efeitos negativos que esta exposição tem para Portugal, na dívida externa, na depêndencia de um bem essencial à vida humana, na sujeição à variação de preços internacionais, muitas vezes levada a cabo por meros especuladores.

A agricultura de proximidade, com negócios locais e exportações para países vizinhos próximos, permite vantagens óbvias para os produtores e para os consumidores.

A preservação da qualidade de diversos produtos facilmente perecíveis, à custa de prejuízos ambientais, longas viagens para transportar produtos agrícolas, criam um colete de forças no sector e acima de tudo um alerta que a globalização tem limites, nem que sejam impostos pela própria natureza.

O Banco de Terras Público proposto na anterior legislatura pelo Bloco de Esquerda, é inegavelmente um avanço positivo no contexto actual da agricultura Portuguesa.

Esta proposta, de uma forma simplificada permite aos agricultores trabalharem as terras agrícolas abandonadas, sem que os respectivos donos percam a sua propriedade, sabendo que existe um abandono crescente de terrenos aráveis, com as respectivas consequências maléficas para o país. (Ver: http://economia.publico.pt/Noticia/comissao-parlamentar-aprova-proposta-de-banco-de-terras-do-be_1463350)





quinta-feira, 16 de junho de 2011

Por que é que os economistas aparentam saber tão pouco sobre a economia?

Retirado: 15 Junho2011

11:11

João Pinto e Castro



Tive o choque da minha vida quando, após realizar testes de orientação profissional, me recomendaram que cursasse Economia.

Nunca antes me passara pela cabeça estudar o tema porque, muito simplesmente, ignorava o que faziam os economistas. Passados tantos anos, a dúvida sobre o que fazem e para que servem os economistas continua a afligir muita gente.

Os Nóbeis atribuídos nos últimos anos comprovam que os economistas investigam assuntos de grande relevância para o entendimento do funcionamento dos mercados, como sejam a psicologia dos consumidores, a informação assimétrica, as falhas de coordenação, os obstáculos à cooperação dentro das empresas ou as condições que favorecem o alargamento das desigualdades.



Todavia, a síntese dessa investigação que é servida aos estudantes e à opinião pública ignora sistematicamente as limitações da racionalidade humana e as falhas dos sistemas económicos que delas decorrem, em favor de uma visão cor-de-rosa do funcionamento dos mercados desregulados. Assim, embora o estudo do comportamento dos agentes económicos demonstre que os pressupostos da microeconomia estão errados, ela continua a ser ensinada como se nada fosse. A microeconomia - disciplina rainha da síntese neoclássica - adotou, aliás, uma metodologia oposta à da ciência experimental: partindo de um certo número de axiomas, vai por aí fora deduzindo teoremas em catadupa ao jeito de um manual de geometria. Tanto os axiomas como os teoremas são falsos, mas isso não incomoda os guardiões da teoria económica.

 
Na sua ânsia de imitarem a física, não só os economistas académicos procuram uma teoria geral unificada, como, ao invés dela, julgam tê-la descoberto. E é isso que ensinam a gerações de jovens desprevenidos.

 
Os alunos aprendem logo no primeiro ano que a instituição de um salário mínimo cria desemprego. Mais tarde, ao nível pós-graduado, será confidenciado aos poucos que lá chegarem que, à luz da evidência disponível, essa proposição é tudo menos certa. Nessa fase do processo de doutrinação, porém, eles já estarão pouco disponíveis para questionar os dogmas da profissão. Quanto aos que não atingiram esse patamar, virão cá para fora de boa-fé papaguear a pseudo-ciência que lhes foi ministrada.

 
Os economistas empregam-se sobretudo no estado, nos bancos, na universidade e na televisão. As duas últimas ocupações devem ser consideradas normais, pois alguém deve explicar aos mortais que, por muito mal que as coisas corram, vivemos no melhor dos mundos, apenas perturbado pela inoportuna intervenção de políticos condicionados pelo voto popular. O fascínio dos economistas pelos bancos também não causa estranheza: afinal, como lapidarmente proclamou o assaltante Willie Sutton, "é lá que está o dinheiro".

 
Já é mais difícil entender-se o que fazem tantos economistas - de facto, a larga maioria deles - a trabalhar no estado, tendo em conta a sua paixão pelo mercado e pelo setor privado e a aversão instintiva que lhes desperta o setor público. Os economistas amam loucamente o mercado livre, a concorrência sem freios, o empreendedorismo audaz e a globalização absoluta - mas só de longe. Dir-se-ia que temem repetir o desapontamento dos Hebreus antigos quando, depois de vaguearem décadas pelo deserto em busca da Terra Prometida, acabaram por descobrir que, afinal, lá não brotavam das pedras o leite e o maná.



Todos estranhariamos que a física e a química se revelasse inútil para os engenheiros ou a biologia para os médicos. Todavia, o presente ensino da economia não melhora em nada - bem pelo contrário - as competências dos gestores. Isso sucede porque o paradigma dominante desincentiva o conhecimento direto da realidade económica. Os neoclássicos apenas cuidam de "factos estilizados", ou seja, da quantificação daqueles conceitos que mais facilmente se moldam às suas teorias favoritas.

 
Dada tanta ignorância das realidades das economias contemporâneas, não admira que, confrontados com a atual crise de crescimento, os economistas se limitem a propor: "É preciso incrementar o empreenderorismo, é preciso aumentar a produtividade!" Ou seja, devolvem-nos o problema intacto, mas chamam-lhe solução.

 
Não é possível entender-se a economia quando só se entende de economia. Porém, fazendo a síntese neoclássica ponto de honra de isolar a economia das restantes ciências sociais, os estudantes são estimulados a ignorar a história económica e política, a história das doutrinas económicas, a filosofia política, a sociologia e a antropologia.  (Esta é a parte que me fez citar na íntegra este artigo, e o motivo porque estudo Economia Social)

 
Basicamente, o mundo caminhou desprevenido para a situação em que se encontra porque confiou ingenuamente nas doutrinas económicas dominantes. Por que raio deveria agora acreditar que essas mesmas ideias conseguirão tirá-lo do buraco em que se encontra, quando elas persistem num tão grande desconhecimento das realidades das economias contemporâneas?



quarta-feira, 8 de junho de 2011

Este País não é para pobres

Retirado do blog: Ladrões de Bicicletas 8/06/2011 - Nuno Serra

Sensivelmente no espaço de um ano, enquanto a taxa de desemprego passou de 10,6% para 11,2% e o número de pessoas apoiadas pelo Banco Alimentar contra a Fome (BA) aumenta de 272 mil para 319 mil, o Rendimento Social de Inserção (RSI) registou uma redução no número de beneficiários de cerca de um terço, em resultado dos «ajustamentos» efectuados nas regras de atribuição. Estamos, como é óbvio, muito para lá do universo do combate às situações de fraude no RSI, a que a direita agora no poder sempre quis despudoradamente reduzir, de um ponto de vista simbólico, esta prestação social.



Se encararmos o apoio concedido pelo Banco Alimentar, dada a sua natureza, como revelador das necessidades sociais mais prementes, percebemos como o alcance do RSI (que beneficia actualmente cerca de 334 mil pessoas), se contraíu a um universo muito próximo do das situações de carência mais elementar. O que, num país onde o número de cidadãos abaixo do limiar da pobreza ronda os 2 milhões, e em que a pobreza infantil atinge cerca de duas em cada cinco crianças, diz muito sobre o «estado social» a que chegámos e sobre quem é mais violentamente atingido pela desiquilibrada ofensiva austeritária.



Em Abril passado, o valor médio da prestação do RSI por família rondava os 242€ mensais, situando-se em cerca de 89€ o valor médio por beneficiário. É a estes valores de referência, portanto, que Passos Coelho entende dever corresponder a obrigação de efectuar «trabalho cívico», lembrando - não por acaso - a proposta de Bagão Félix e Miguel Relvas em 2007, no sentido de reconfigurar a «moldura penal» dos crimes de aborto, convertendo a pena de prisão até três anos (prevista na lei então em vigor) em «trabalho comunitário», a que se deveriam dedicar as mulheres que incorressem nessa «prática». É pois todo um programa, cristalinamente revelador da visão «humanista» destes putativos ministros do próximo governo.



Ao considerar que as míseras prestações do RSI devem implicar a prestação de «serviço cívico» pelos seus beneficiários, a direita revela em toda a linha como não está - decididamente - preocupada com a «inserção social» (objectivo consagrado no entendimento subjacente ao Rendimento Mínimo Garantido, criado por Paulo Pedroso em 1997). Não se trata de tirar ninguém da pobreza. Trata-se apenas de pagar um tributo pelas migalhas recebidas, de cumprir o merecido castigo pela «preguiça deliberada» em que supostamente os beneficiários do RSI se encontram.
 

terça-feira, 7 de junho de 2011

Porque devemos reestruturar a dívida pública e como fazê-lo

Porque devemos reestruturar a dívida pública e como fazê-lo

4 Junho 2011


Alberto Garzón Espinosa – Conselho Científico da ATTAC Espanha

Como é sabido, a crise financeira transformou-se em crise económica, porque as entidades financeiras encarregadas de financiar a actividade produtiva deixaram de fazê-lo, temendo piorar o estado dos seus balanços, já muito deteriorados por activos tóxicos. Activos tóxicos que recebiam esse nome porque, ainda que o preço de mercado fosse, formalmente, muito alto, careciam, na realidade de valor real - mais tarde ou mais cedo, teríam que contabilizar-se como perdas.

A quebra da concessão sôfrega de crédito conduziu a uma paralização do consumo e investimento nas várias economias nacionais; em Espanha, além disso, fez rebentar, definitivamente, a sua particular bolha imobiliária. Uma bolha que havia sido tornada possível pelas entidades financeiras, credoras de quantidades brutais de dinheiro, obtido nos mercados financeiros (empréstimos interbancários, emissão de obrigações e titularização, etc. ). Durante todos estes anos, o crédito privado foi o combustível de um modelo produtivo totalmente esgotado e que, na sua queda, provocou taxas de desemprego socialmente insustentáveis.

Para tentar conter a crise, os Estados europeus foram obrigados a desembolsar quantias enormes de dinheiro público. Por um lado, aprovaram resgates financeiros às entidades com problemas e, inclusivamente, em muitos casos, nacionalizaram-nas por completo. Por outro lado, levaram a cabo programas de estímulo económico cujo objectivo era criar emprego público e, desse modo, travar a queda do consumo e do investimento. Tudo isso conduziu ao incremento da despesa pública.

Do lado da receita, os Estados lidaram com as dificuldades próprias de um momento de crise económica. Dada a importância dos impostos na receita dos Estados (são a maior fonte de receitas públicas; em menor medida, os lucros das empresas públicas), e dado que esses impostos estão associados à renda, ao lucro e ao consumo... com a queda dessas variáveis, também as receitas públicas caíram.

Assim, a queda das receitas e o aumento das despesas causou o aumento do défice orçamental (a diferença entre receitas e despesas). Algo que o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu. E, para financiar esse desequilíbrio, os Estados tiveram que incrementar o seu endividamento exterior, ou seja, tiveram que emitir mais dívida.


Como se percebe no gráfico, o endividamento de todos os países aumentou como consequência da crise, e não ao contrário, como alguns autores têm sugerido, tentando dissociar a responsabilidade bancária da degradação da situação fiscal dos países.

A emissão de dívida é um processo simples. Os Estados emitem títulos que proporcionam uma rentabilidade determinada ao seu comprador. No chamado mercado da dívida pública, os investidores (bancos, fundos de investimento, multimilionários...) participam no leilão e, desse acto, surge a taxa de juro paga pelo Estado sobre os títulos. Ao fim e ao cabo, os títulos de dívida pública constituem o processo pelo qual o Estado se endivida perante outros agentes (que também podem ser outros países). Quanto maior o número de compradores no leilão, menor o preço pago pelo Estado.

É evidente que a dívida contraída pelo Estado gera taxas de juro que é necessário pagar com regularidade (na forma de cupões) e os quais é necessário financiar, de alguma forma. Dado que a crise se mantém e a situação fiscal do Estado (a relação receitas-despesas) também se mantém, o Estado vê-se obrigado a reendividar-se. Aumentam, portanto, os chamados Encargos da Dívida, e pode entrar-se num círculo vicioso de que é muito complicado sair.

É necessário acrescentar, a isto, os processos especulativos, que tornam a carga da dívida ainda maior ou menos eficiente. Os investidores podem especular contra a dívida pública (como fizeram com a Grécia ou a Espanha), e provocar, assim, o encarecimento da emissão futura de dívida pública (aumentando a rentabilidade para o investidor). Tudo isto intensifica o círculo vicioso anterior.
O futuro da dívida pública e os planos de ajustamento

As medidas dos governos europeus têm o objectivo de aplicar os planos de ajustamento. Querem corrigir o défice orçamental através de uma descida das despesas públicas, o que acarretará um retrocesso do Estado social, e, em certa medida, através do aumento das receitas, sobretudo através de impostos indirectos (que são regressivos porque afectam, igualmente, ricos e pobres).

Contudo, esse caminho enfrentará riscos insuperáveis, como já advertiram, inclusivamente, prémios Nobel da economia como Krugman ou Stiglitz, dado que a despesa pública é um componente da procura com importância acrescida em momentos de crise. Se a despesa pública diminui, o consumo e o investimento também continuarão em queda, aprofundando a quebra económica. O consumo, sem a contribuição-chave do Estado, cairá, e as empresas não investirão num mercado em regressão, pelo que não haverá criação de emprego - haverá, pelo contrário, destruição de postos de trabalho. Isto, acrescentado à reforma errónea do sistema financeiro (que, ao continuar privado, não abrirá as portas às pequenas e médias empresas, que são as verdadeiras criadoras de emprego) e as reformas laborais (que precarizarão, ainda mais, o trabalho e reduzirão, em agregado, a capacidade de consumo da população), conduzirá a um desastre - nas palavras de Stiglitz.

Portanto, mesmo que a ofensiva neoliberal em curso seja bem-sucedida na redução da despesa pública, não terá a mesma sorte com a manutenção ou subida das receitas. Pelo contrário, é muito provável que as receitas continuem a diminuir e, portanto, que a relação mais relevante (receitas-despesas) continue a deteriorar-se. O que obrigará a um regresso contínuo ao mercado de dívida e ao reendividamento.

 
Reestruturar a dívida

O não-pagamento da dívida é uma necessidade imperiosa para os países que estão presos neste círculo vicioso, ainda que, por certo, não seja a única medida imprescindível. Já existem muitos movimentos sociais partidos políticos - de esquerda - a reclamar a reestruturação ou não-pagamento da dívida. Não obstante, uma coisa é reestruturar a dívida; outra, muito diferente, é não pagar a totalidade da mesma. A reestruturação supõe a diferenciação dos vários contratos de dívida assumidos pelo Estado e modificar o seu prazo, a sua quantidade ou, inclusivamente, cancelar uma parcela ou a sua totalidade. É isto, precisamente, que está a ser reclamado pelos movimentos de esquerda.

A reestruturação dirigida pelos devedores (debtor-led default), ao contrário da reestruturação dirigida pelos credores (creditor-led default), supõe a realização de uma auditoria prévia da totalidade da dívida, controlada pelas cidadãs e cidadãos. Trata-se de determinar que parte da dívida é ilegal, imoral ou directamente insustentável. Por exemplo, pode declarar-se imoral qualquer contrato de dívida subscrito por bancos resgatados com dinheiro público ou, inclusivamente, por bancos que tenham comprado dívida pública com dinheiro obtido junto do Banco Central Europeu. Nesse caso, pode reestruturar-se o prazo, o volume ou, simplesmente, declarar que não se paga. O objectivo é reduzir a carga da dívida.

É claro que este processo tem custos políticos e económicos importantes. Os mercados financeiros (os credores: bancos e outros agentes financeiros) actuariam conjuntamente para atacar e especular contra o país em questão. Também haveria reticências radicais, a nível institucional, por parte da União Europeia e do Banco Central Europeu, além dos bancos nacionais. Por isso, seria recomendável que a reestruturação fizesse parte de um plano mais amplo e que, além disso, estivesse coordenado, pelo menos, pelos países que dele têm mais necessidade. Estes países são periféricos, como Portugal, Grécia ou Espanha. O desejável, ainda assim, seria uma auditoria a nível europeu.

O plano mais amplo deveria incluir, como têm recomendado autores como Onaran, Husson, Toussaint o Lordón, a nacionalização das entidades financeiras e a contrução europeu de um novo sistema sancionatório que puna especialmente as rendas parasitárias do capital e as grandes fortunas, além de servir para reverter a tendência para desigualdade na distribuição de receitas entre capital e trabalho. Também seriam necessárias medidas correctivas dos desequilíbrios europeus (como apontado pelo relatório da Research on Money and Finance) e da altíssima dívida privada.

(Original aqui) http://www.attacmallorca.es/2011/06/04/por-que-debemos-reestructurar-la-deuda-publica-y-como-hacerlo/

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Stiglitz: a austeridade condena a Europa e os EUA à estagnação

O Nobel da Economia Joseph Stiglitz considera que os EUA e a Europa estão a tomar más decisões para tentar superar a crise e assegura que as políticas de austeridade não são a solução.

Artigo
5 Junho, 2011 - 17:00

O Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, já em Fevereiro deste ano defendia que devido às medidas de austeridade as economias europeias iriam ser afectadas “pelos cortes públicos e pela subida das taxas de juro”. Segundo noticia a Europapress.es, esta sexta-feira, durante a sua intervenção na reunião anual do Círculo de Economia em Sitges, Stiglitz alertou que "a estratégia de austeridade é uma estratégia que vai condenar os EUA e a Europa à estagnação, ao baixo crescimento e, por sua vez, o défice não poderá melhorar muito".
O economista admitiu que é compreensível a adopção de medidas de austeridade, devido ao tamanho dos défices públicos, mas argumentou que a austeridade dos governos não tem ajudado, levando a uma grande baixa no consumo interno, enfraquecendo o investimento e as exportações.
Stiglitz critica acção dos bancos centrais
Stiglitz teceu duras críticas aos bancos centrais, dizendo que "não são a fonte da sabedoria” e têm antes “fortes prioridades políticas". Uma situação mais presente na Europa do que nos EUA, sustentou.
Neste sentido, o economista criticou o resgate da Grécia: "Não se trata de um resgate, mas de uma protecção dos bancos europeus que têm emprestado muito, tornando-se credores desses países, e agora vêem-se ameaçados com uma possível reestruturação."
"A sequência dos resgates, o que faz é agravar o problema", advertiu, argumentando que desta forma transfere-se a dívida do sector privado para o Governo, que em caso de reestruturação deve responder.
Stiglitz afirmou que os EUA, por exemplo, deveriam levar a cabo reformas para reestruturar os impostos e os programas de despesas, o que poderia levar a um maior crescimento, uma maior procura associada a um défice menor.
Já no caso da União Europeia, Stiglitz apontou que a solução seria criar um fundo de solidariedade, mas sublinhou que a melhor opção é uma reestruturação bancária.

Fonte: Esquerda.net

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Duas lendas da ortodoxolândia que nos levam à pobreza

Duas lendas da ortodoxolândia que nos levam à pobreza


Pretendo aqui destacar dois mitos da Economia ortodoxa que sobrevivem nas mentes de políticos e economistas: a redução dos salários como solução para o problema do desemprego e a redução da despesa como solução para o equilíbrio das contas.


Citado de: (Esquerda.net)
opiniao
2 Junho, 2011 - 00:10
Por Ricardo Coelho

 
Pretendo aqui destacar dois mitos da Economia ortodoxa que sobrevivem nas mentes de políticos e economistas: a redução dos salários como solução para o problema do desemprego e a redução da despesa como solução para o equilíbrio das contas.

A economia ortodoxa, influenciada sobretudo pela escola neo-clássica, vive num estado de negação permanente. Mesmo quando a realidade desmente categoricamente as suas teorias, os seus seguidores fazem questão de salientar que deve haver algo de errado com a realidade. Assim se compreende como a emergência de uma crise financeira cuja ocorrência era impossível de prever usando os modelos ortodoxos não tenha mudado nada no ensino da Economia.

 

Pretendo aqui destacar dois mitos da Economia ortodoxa que sobrevivem nas mentes de políticos e economistas: a redução dos salários como solução para o problema do desemprego e a redução da despesa como solução para o equilíbrio das contas. Em ambos os casos, lidamos com teorias que são intuitivamente correctas (o que explica, em parte, a sua popularidade) mas que não têm qualquer ligação com a realidade.

 
No primeiro caso, temos a ideia de que existe um mercado de trabalho, com uma oferta e procura, no qual o trabalho é comercializado como qualquer outra mercadoria. Se o mercado não for regulado e existir concorrência perfeita, então a procura será igual à oferta e ninguém estará involuntariamente no desemprego. Mas se um sindicato consegue a malvadez de impor um salário mínimo acima do salário de equilíbrio, então a oferta será superior à procura e existirá desemprego involuntário. Os sindicatos são portanto organizações corporativas, que garantem melhores condições para os que trabalham à custa do agravamento das condições de vida para os que estão desempregados.

 

Partindo desta teoria, economistas como Vítor Bento, conselheiro de Cavaco Silva ou Vítor Constâncio, Vice-Presidente do Banco Central Europeu defendem a baixa salarial como meio de gerar mais emprego (não sendo claro se os seus salários generosos também seriam afectados por essa medida). Acabando com “imperfeições” que não permitem o mercado funcionar, com o salário mínimo e com o subsídio de desemprego, resolve-se o problema do desemprego. Mas fora da ortodoxolândia, onde estes economistas vivem, a história é muito diferente.

 
No mundo real, não existe um mercado de trabalho mas antes um conjunto de arranjos institucionais que permitem o encontro de quem procura e quem oferece emprego. O economista Vítor Bento não compete por trabalho com quem não tem as suas qualificações e o Banco Central Europeu certamente recorre mais frequentemente à promoção interna que ao recrutamento externo quando tem de escolher um novo quadro. Do encontro entre quem oferece e quem procura emprego resulta um contrato de trabalho, cujas características serão mediadas por factores externos como a legislação laboral ou a relação de forças entre trabalhadores e empregadores. As condições de trabalho que resultam deste processo, por sua vez, serão um factor determinante em variáveis como o consumo, a poupança e o investimento. No mundo real, tudo está ligado com tudo.

 

Assim se compreende como fora da ortodoxolândia, os salários baixos promovem o desemprego e não o emprego. Um artigo sobre a relação entre salários e emprego, do economista Engelbert Stockhammer1, apresenta o gráfico abaixo apresentado, no qual se pode ver a evolução dos salários reais e do desemprego na OCDE durante uma década (1995-2004). Fosse a economia dos manuais correcta e teríamos pelo menos quase todos os países nos quadrantes superior direito e inferior esquerdo. Ou seja, teríamos o desemprego a aumentar onde os salários reais estão a aumentar e vice-versa.

 
A análise cross-section apresentada é complementada com uma análise temporal, na qual se mostra como não existe qualquer relação entre a variação dos salários e o emprego na OCDE no período de 1960 a 2006. Como se pode ver no gráfico seguinte, a tendência de baixa salarial desde 1975 tem sido acompanhada por uma tendência para o aumento do desemprego.

 
Stockhammer explica a divergência entre a teoria e a realidade pelo facto de o emprego nos países da OCDE ser sobretudo guiado pela procura. Se há melhores salários, as pessoas podem adquirir mais bens e serviços e com isso alimentar uma economia que emprega mais gente. Se, pelo contrário, os salários descem, o consumo retrai-se e o desemprego aumenta. Ou seja, o aumento da apropriação da mais-valia produzida pelos trabalhadores apenas beneficia os empresários.

 

O segundo mito pode ser desmontado com a mesma facilidade. A estória contada na ortodoxolândia é tão básica quanto o raciocínio de Medina Carreira: se queremos reduzir o défice orçamental, temos de reduzir a despesa pública. Tudo se passa como numa família, que ficará com mais dinheiro ao fim do mês se gastar menos. Este é possivelmente o mais perigoso mito da actualidade.

 
Defender que uma economia nacional tem um nível de complexidade semelhante ao de uma economia familiar é tão absurdo quanto comparar a dificuldade de aprender a teoria da relatividade à dificuldade de memorizar a tabuada. Uma política eficaz para uma economia saudável tem de ser fundada em teorias sólidas e em dados concretos, não em “bitaites” de treinadores de bancada. Vejamos então o que nos ensina a experiência com a política económica.

 
O gráfico abaixo representado foi retirado de um estudo da economista Victoria Chick2, que pretende ilustrar as previsíveis consequências negativas das medidas de austeridade impostas pelo governo conservador britânico. O gráfico mostra a relação entre a variação na dívida pública e a variação na despesa pública em vários períodos de tempo. A ortodoxia exigiria que os pontos do gráfico estivessem todos no quadrante inferior esquerdo, onde a dívida desce ao mesmo tempo que a despesa desce.

 
O que se vê claramente neste gráfico é que, se deixarmos de lado os períodos das duas guerras mundiais, durante os quais a despesa pública foi extremamente elevada devido aos gastos com armamento, a tendência é para a dívida pública aumentar quando a despesa pública diminui e vice-versa. Nada de novo para quem vê as notícias, já que a dívida pública da Grécia e da Irlanda disparou depois da imposição de planos de austeridade pela “troika”. Fora da ortodoxolândia, a divisão essencial não se encontra entre gastar muito ou pouco mas entre gastar bem ou mal.

 
Obviamente que esbanjar dinheiro em armamento ou outros investimentos não produtivos conduzirá um país a um aumento da dívida pública, pelo que é essencial garantir o rigor nas contas públicas. Mas gastar dinheiro em investimentos produtivos, como infra-estruturas de transportes ou de comunicações ou investigação científica e tecnológica, tem um efeito multiplicador na economia, na medida em que permite expandir a capacidade produtiva. Com uma economia mais dinâmica, temos mais emprego e mais riqueza a ser produzida, pelo que a receita fiscal será mais elevada e o défice orçamental será menor.

 
Também as transferências sociais têm um importante efeito multiplicador. Dado que a propensão marginal do consumo é superior nos mais pobres que nos mais ricos, transferir riqueza dos segundos para os primeiros resulta numa expansão do consumo. Por outras palavras, um euro a mais no bolso de um pobre contribui mais para a dinamização do consumo que um euro a mais no bolso de um rico. Um sistema de Segurança Social não tem, portanto, apenas a função de reduzir as desigualdades mas também permite ter uma economia mais forte.

 
Infelizmente, é muito difícil aceder a estudos como estes através da comunicação social, que frequentemente promove a comentadores de Economia indivíduos que proferem baboseiras como se fossem verdades absolutas e que na sua maioria não têm qualquer currículum científico. Daí que uma das principais tarefas da esquerda seja hoje a de furar o muro da ortodoxia, abrindo a Economia ao mundo real e às pessoas que nele vivem. Fica aqui um modesto contributo para essa luta.

Para visualizar gráficos e trabalhos originais:
http://gesd.free.fr/stockham.pdf
1 Stockhammer, E. (2007) “Wage Moderation Does Not Work: Unemployment in Europe”, Review of Radical Political Economics, 39(3): 391-397. Disponível em http://gesd.free.fr/stockham.pdf.

 
2 Chick, V. and Pettifor, A. (2010) “Fiscal Consolidation: Lessons from a Century of Macro Economics”. Disponível em http://www.debtonation.org/wp-content/uploads/2010/06/Fiscal-Consolidation1.pdf


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Como o BCE se converteu no depósito de todo o lixo bancário europeu

Como o BCE se converteu no depósito de todo o lixo bancário europeu

O Banco Central Europeu encontra-se a viver a sua própria grande crise e a possível reestruturação da dívida grega põe-no à beira do colapso. Por Marco Antonio Moreno

Artigo
30 Maio, 2011 - 14:00

O guardião da moeda única comprou em segredo milhares de milhões de euros de activos de risco - Foto de Jean-Claude Trichet, presidente do BCE O guardião da moeda única comprou em segredo milhares de milhões de euros de activos de risco como ajuda colateral para escorar os bancos privados dos países que lutaram para manter à tona a precariedade das suas finanças. O ponto crucial é a queda abrupta e contínua dos activos imobiliários, que sofrem descidas que chegam até 60%. Uma descida que continuará, dado o estado crítico destas economias que não conseguem dar sinais de recuperação, devido aos erros gritantes cometidos no passado.

 
A crise imobiliária desencadeada pela privatização massiva do solo, tem convertido muitos lugares do mundo, da Califórnia a Dublin, em verdadeiras cidades fantasma, com construções por acabar que ficaram paralisadas após a eclosão da crise, com a deterioração de materiais e a desvalorização do solo. Estas cidades fantasma pesam nos balanços bancários e o seu volume é tão grande que não é possível assumir a perda e continuar em frente. Mais ainda quando a economia global se encontra num estado famélico, com um desemprego lacerante que impossibilita qualquer ideia de recuperação.



Ao contrário dos Estados Unidos, onde a crise imobiliária se liquefaz com um dólar que serve de divisa mundial ao resto do mundo para aceder ao comércio internacional, o caso europeu mostra toda a crueza da crise porque o euro nunca lutou para impor-se como divisa internacional. Desta forma todas as perdas ficam a nível europeu sem poder dissolvê-las no mercado mundial e todos os empréstimos incobráveis terminam no balanço do Banco Central Europeu. Este banco torna-se assim depositário de todos os números vermelhos, convertido no verdadeiro “banco mau” (ou depósito de lixo) que devia ter sido criado após a crise.



Recordemos que no início da crise se falou da criação de um “banco mau” depositário de todos os activos tóxicos, mas esta ideia naufragou pela arrogância de quem sustentava que a crise era um fenómeno transitório. Desta forma o Banco Central Europeu tornou-se depositário de todos os riscos e números vermelhos. Foi assim que os bancos privados descarregaram todos os seus riscos nos bancos centrais e estes distribuíram grandes somas de dinheiro às instituições financeiras para evitar o colapso da banca e repetições de casos como o Lehman Brothers. Desta forma, em troca de activos desvalorizados, ou hipotecas lixo, a banca recebeu dinheiro fresco para continuar a apostar no mercado e distribuir apetitosos dividendos aos seus accionistas. Finalmente, e através dos bancos centrais, todos estes riscos, que são de vários milhares de milhões de euros, foram transferidos ao Banco Central Europeu, que acumula na sua folha de balanço perdas que ameaçam afundar toda a Europa.



Os riscos não assumidos pela banca privada foram parar ao balanço do BCE e é por isso que uma reestruturação da dívida grega ou, pior, uma falta de pagamento, põem em alerta o BCE face a uma possível bancarrota. O BCE comprou títulos do Governo grego por 47 mil milhões de euros e desde Abril gastou cerca de 90.000 milhões de euros no refinanciamento dos bancos gregos. Para toda a Europa, o BCE acumulava no começo do ano mais de 480.000 milhões de euros nestes activos duvidosos e até ao momento nenhum perito é capaz de dizer como o BCE pode desfazer-se destes valores sem assestar um golpe fatal no sistema bancário europeu. O BCE está numa situação sem saída e agora converteu-se num gigantesco banco mau ou, por outras palavras, num depósito de todo o lixo bancário europeu.



O ex-presidente do Bundesbank, Axel Weber, criticou na altura o programa do BCE de comprar títulos de Estados e de bancos falidos e esse foi o motivo da sua renúncia que o deixou fora do caminho para suceder a Jean Claude Trichet. O tempo está a dar razão a Weber de que estes bancos deviam ser condenados à falência sem misericórdia e e eu acrescentaria que os seus executivos também deveriam ser condenados à cadeia. Enquanto não chegam ao cárcere os banqueiros culpados do grande descalabro financeiro que vive a Europa, os Estados Unidos e o mundo inteiro, continuaremos desgraçadamente a proteger e legitimar as fraudes das finanças modernas, plenamente permitidas.

Artigo do economista Marco Antonio Moreno, publicado em elblogsalmon.com. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net






sábado, 30 de abril de 2011

Banir a Troika pela Democracia - Por uma outra Sociedade

Uma grande massa de políticos portugueses e outros intervenientes querem  vender-nos a ideia que a "ajuda" do FMI e do FEEF é inevitável, e fundamental para o país.
As receitas do FMI são por demais conhecidas. Num país com níveis de pobreza brutais, e que serão certamente alavancados pelos cortes em transferências sociais, pois, muita pobreza é hoje em dia mitigada pelo alargamento das transferências sociais ocorrida com a implementação do Estado Social moderno do pós 25 de Abril, criará brechas sociais e enterrará definitivamente Portugal para anos de empobrecimento, e dependência externa crescente.
Surge por isso, a necessidade de estabelecermos ideias e caminhos, quer económicos e sociais, mas necessariamente também políticos.
Temos que pensar Portugal sem dogmas da errada teoria financeira, com uma abertura de espírito, claro está com realismo, mas também a utopia, aquela utopia que nos faz acreditar e ter esperança de um país melhor.
Em termos políticos, desde logo nunca nenhum governo se deveria comprometer com a Troika na assinatura de qualquer acordo de empréstimo antes as eleições. A Democracia deverá funcionar, deverão ser os portugueses a decidir se querem um governo que apoie o empréstimo agiota de 5% ou mais de juro do FMI, que estrangulará o potencial de crescimento do país, aumentará o desemprego, a precariedade, a redução dos cuidados de saúde pública, como se constata desde já em Braga, com a entrega do Hospital de Braga ao grupo Mello, em que são retiradas especialidades não rentáveis, colocação em tribunal pelo Hospital de S. João do Porto, por recusa de prestação de apoio médico pelo Hospital de Braga, que encaminha os utentes crónicos do SNS para o Porto, entre outras, como duas multas que já levou pela Inspecção Geral de Saúde por diversos incumprimentos.
A redução da qualidade do ensino, com a quebra do esforço social de integração de alunos com maiores dificuldades, entre muitas outras coisas, e que o sistema privado não está, não quer assegurar.

O FMI vem a Portugal para assegurar que os especuladores/credores recebem o seu dinheiro, ao juro contratado pelo mercado especulativo, e em grande parte por endividamento provocado por este.

A outra opção é desenvolver uma política económica e social que vise o crescimento económico do país, com melhor distribuição de riqueza, melhores serviços públicos, contas públicas disciplinadas, em função das necessidades dos portugueses, e não dos especuladores nacionais e internacionais.

Uma política que ponha no centro das atenções as pessoas e não a banca e os banqueiros, que fomente a produção nacional, e incentive a poupança para o investimento produtivo. Que melhor as condições de partida de todos os portugueses, com mais e melhor educação pública, mais estabilidade no emprego e melhores salários, para que a função capital trabalho seja mais equilibrada.

No curto prazo, antes de nos precipitarmos com o FMI, deveríamos exigir o accionamento de uma claúsula dos estatutos do BCE (artigo 21º) que permite um financiamento à tesouraria através de um banco público do país (CGD) para fazer face a necessidades imediatas de tesouraria, a um juro idêntico à taxa de desconto estipulada pelo BCE (1,25%).

Uma auditoria profunda e abrangente às contas públicas portuguesas, em particular à sua dívida. Saber quem deve a quem e como essa dívida foi contraída, é essêncial e um direito que os portugueses têm. Aqui, o Tribunal de Contas teria um papel fundamental, mas um Tribunal de Contas verdadeiramente independente, com um presidente nomeado pelo Conselho Superior de Magistratura.
A auditoria teria capacidade de sinalizar toda a negligência efectuada, pelo menos desde 1995, em particular com as parcerias pública-privadas, forçando a renegociação dos contratos.

Trabalhar com base num orçamento de base ZERO. É a forma mais clara e transparente de percebermos onde estão os estrangulamentos, cortar eficazmente nos chamados consumos intermédios, acabar com transferências para Fundações e algumas das outras das 14.000 entidades que vivem à custa do orçamento de Estado, cuja existência é de duvidosa aparência.

Renegociar e restruturar a dívida pública de forma a pagar menos juros, mas num período mais alargado de tempo, sempre na perspectiva que o cumprimento dos objectivos sociais e crescimento  económico criador de emprego seja sempre a matriz de base de negociação.

Tendo em conta as próximas eleições só há um Partido político capaz de cumprir este desiderato, e mudar para melhor a sociedade portuguesa, dando um grande abanão nas estruturas caducas, deprimentes e decadentes da União Europeia, esse partido é o BLOCO DE ESQUERDA.