segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O discurso, a mentira e a hipocrisia neo-liberal.

Gostaria de dedicar o meu primeiro texto no blog Economia para quê? a um excelente livro que estou a acabar de ler chamado "Austeridade - A História de uma ideia perigosa" do economista Escocês Mark Blyth, e editado em Portugal pela Quetzal. Mark Blyth desponta na cena académica da área económica com um discurso, directo, objectivo e eficaz sobre os malefícios da austeridade, as suas causas, a teia ideológica neo-liberal que a fundamenta, e que tem como alicerce base uma grande mentira e um discurso marcadamente hipócrita. A ideia perigosa e mentirosa, de que as dívidas soberanas (dívidas dos Estados), atingiram níveis incomportáveis devido a serem Estados despesistas e indisciplinados, sabendo que a principal razão desde enorme escaldão de dívida, deriva de um sistema bancário disfuncional, desregrado ultra liberalizado, que por interesses e poder consegue transformar dívida privada em dívida soberana, obrigando, à custa de imensos e contínuos sacrifícios das populações, em particular a classe média e os mais desfavorecidos ao empobrecimento generalizado. Atrevo-me a afirmar, salvo as devidas proporções, contextos e conteúdos que estava a ler a "Teoria Geral" de John Maynard Keynes do século XXI. Mas o ponto forte que gostaria de sublinhar é um discurso hipotético de um qualquer primeiro ministro de um país da periferia da Europa, podia ser Portugal, fazendo algo impossível. Falar a verdade aos portugueses. Este discurso "fabricado" pode ser encontrado no livro supramencionado nas páginas, 138 a 141. AQUI VAI. Peço desculpa ao Mark Blyth pelo roubo. Concidadãos. Temos andando a dizer-lhes nos últimos quatro anos que a razão pela qual estão sem trabalho, e a próxima década será miserável, é que os Estados gastaram demais. Portanto, agora precisamos todos de ser austeros e de voltar a algo chamado "finanças públicas sustentáveis". É, porém, tempo de dizer a verdade. A explosão da dívida soberana é um sintoma, e não uma causa, da crise em que nos encontramos hoje. O que realmente aconteceu foi que os maiores bancos dos principais países da Europa compraram muita dívida soberana aos seus vizinhos da periferia, os PIIGS. Isso inundou os PIIGS com dinheiro barato para comprar produtos básicos do país, donde os actuais desequilíbrios das contas da zona euro e a consequente perda de competitividade dessas economias periféricas. Afinal, porque é que se há de fabricar um carro para concorrer com o BMW se os Franceses nos emprestam dinheiro para comprar um? Isto estava tudo a correr bem até os mercados entrarem em pânico com a Grécia e perceberem através das nossas respostas de "empurrar com a barriga" que as instituições designadas para gerir a UE não conseguiam lidar com nada disto. O dinheiro que lubrificava as engrenagens parou de repente, e os nossos pagamentos de obrigações dispararam. O problema é que tínhamos abdicado das nossas impressoras e de taxas de câmbio independentes - os nossos amortecedores económicos - para adoptar o euro. Entretanto, o Banco Central Europeu, instituição que devia estabilizar o sistema, acabou por ser de algum modo um falso banco central. Não exerce uma verdadeira função de emprestador de último recurso. Enquanto a Fed e o Banco Central de Inglaterra podem aceitar os activos que desejarem em troca das quantias em dinheiro que quiserem distribuir, o BCE está constitucional e intelectualmente limitado no que pode aceitar. Não pode monetizar ou mutualizar dívida, não pode resgatar países, não pode emprestar directamente aos bancos em quantidade suficiente. É mesmo bom a combater a inflação, mas quando há uma crise da banca é praticamente inútil. Tem adquirido novos poderes a pouco e pouco ao longo da crise para nos ajudar a sobreviver, mas a sua capacidade continua a ser muito limitada. Agora, junte-se a isso o facto de o sistema bancário europeu como um todo ter três vezes o tamanho do sistema bancário norte-americano e estar aproximadamente duas vezes mais alavancado do que ele; aceite-se que o BCE está cheio de activos de baixa qualidade que não pode eliminar das contas e vê-se que temos um problema. Tivemos mais de vinte cimeiras e inúmeras outras reuniões, prometemos uns aos outros tratados orçamentais e mecanismos de resgate e até substituímos um ou dois governos democraticamente eleitos para resolver a crise, e mesmo assim não conseguimos fazê-lo. É tempo de ser honesto acerca das razões porque não tivemos êxito. A resposta curta: é que não conseguimos corrigir o problema. A única coisa que conseguimos é empurrar com a barriga, o que se concretizará numa década perdida de crescimento e de emprego. Estão a ver, os bancos que resgatámos em 2008 obrigaram-nos a assumir todo um carregamento de nova dívida soberana para pagar os prejuízos deles e assegurar a sua solvência. Mas os bancos nunca recuperaram realmente, e em 2010 e 2011 começaram a ficar sem dinheiro. Portanto, o BCE teve de agir contra os seus instintos e inundar os bancos com mil milhões de euros de dinheiro muito barato, as Operações de Refinanciamento a Longo Prazo, quando os bancos europeus já não eram capazes de obter dinheiro emprestado nos Estados Unidos. O dinheiro que o BCE deu aos bancos foi utilizado para comprar alguma dívida governamental de curto prazo (para baixar um pouco os juros das nossas obrigações), mas a maioria ficou no BCE como seguro de catástrofe em vez de circular na economia real e ajudar-nos a voltar ao trabalho. Afinal, estamos no meio de uma recessão que está a ser dinamizada por políticas de austeridade. Quem é que havia de contrair empréstimos e investir no meio daquela confusão? Toda a economia está em recessão, as pessoas estão a reembolsar as dívidas e ninguém está a pedir dinheiro emprestado. Isso faz com que os preços caiam, provocando cada vez maiores imparidades nos bancos e tornando a economia cada vez mais esclerótica. Não há literalmente nada que possamos fazer. Precisamos de manter os bancos solventes ou desmoronam-se, e são tão grandes e estão tão interligados que mesmo que fosse apenas um a ir-se abaixo isso podia fazer explodir todo o sistema. Por mais horrível que seja a austeridade, não é nada comparada com um colapso geral do sistema financeiro, na realidade. Portanto, não podemos inflacionar e transferir o custo para os aforradores, não podemos desvalorizar e transferir o custo para os estrangeiros e não podemos incumprir sem nos matarmos, pelo que precisamos de deflacionar, durante o tempo que for necessário para que os balanços desses bancos ganhem uma qualquer forma sustentável. É por isso que não podemos deixar ninguém sair do euro. Se os Gregos, por exemplo, saíssem do euro, talvez fôssemos capazes de aguentar, uma vez que a maioria dos bancos conseguiu ver os activos gregos. Mas não se pode vender a Itália. É muito. O risco de contágio destruiria os bancos de toda a gente. Portanto, a única ferramenta política que temos para estabilizar o sistema é toda a gente deflacionar em relação à Alemanha, que é uma coisa realmente difícil de fazer mesmo nos melhores tempos. É horrível, mas é isso. O vosso desemprego salvará os bancos, e de caminho salvará os fundos soberanos que não consegue salvar por si os bancos e, assim, salvar o euro. Nós, as classes políticas da Europa, gostaríamos de lhes agradecer o vosso sacrifício.<

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