terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Transferências I - O estranho caso das autoestradas.

Se me perguntassem para definir uma característica económica de Portugal, diria abertamente, que há um grave problema de transferência de riqueza dos detentores do capital (Bancos, grandes construtoras, e outros) e o cidadão comum, vulgarmente conhecido por classe média. Esta constatação resulta da observação de dezenas de situações em que os agentes privados, monopolizam serviços públicos de bens não transaccionáveis, ou seja, não exportáveis, que existem para melhorar a qualidade de vida das pessoas, e por isso, têm uma forte adesão, e que por uma questão de desrespeito das básicas leis da oferta e da procura, que esses senhores tanto defendem para os outros, o uso desses bens e serviços, provoca uma ineficiente transferência de riqueza da maioria dos portugueses, para uma classe privilegiada com alavancas multiplicadoras de fortunas, fomentada por alguns políticos de ética e causa pública duvidosa que adulteram os princípios básicos em que esses serviços ou bens foram criados. Um caso típico é as autoestradas. Não importa aqui o nome, SCUT's, ou outros, as autoestradas são construídas para facilitar o fluxo de tráfego, pessoas e bens, com maior rapidez e segurança. Não são um bem em si mesmo, mas um meio para atingir um fim. As autoestradas apareceram como um fenómeno de modernidade, crescimento e desenvolvimento económico. Construíram-se as autoestradas necessárias e mesmo as desnecessárias. Para uma adesão ao serviço de autoestrada o preço deve acautelar todos os custos existentes, incluindo a respectiva manutenção, mas promovendo uma normal procura. O preço neste bem público não deve ser factor dissuasor, pois, se o é, a autoestrada deixará de ter as características intrínsecas de um bem público, respeitando a sua universalidade de acesso, e promotora do desenvolvimento do país, passando a ser uma promotora de rendas ineficientes e perpétuas dos utilizadores para os arrendatários privados protegidos sob a capa legal de uma concessão estatal. As estradas nacionais voltarão a encher, maior insegurança, menor mobilidade de pessoas e bens, maiores consumos, deixando de ser as autoestradas necessárias, passando a ser um bem público de luxo de acesso restrito. Não me parece que essa seja a ideia primordial da construção de uma autoestrada, nem que assim, contribua para o desenvolvimento do país, excepto para as elites gordas nacionais. Pelos dados actuais, há uma redução em cerca de 10% de utilizadores nas autoestradas. À primeira vista poderíamos explicar esta situação, com uma redução geral de tráfego em 9%. No entanto, acredito que esta conclusão é incompleta e acima de tudo precipitada. Porquê? Porque há igualmente um notório aumento de veículos nas estradas nacionais, em particular nas estradas que concorrem directamente com as antigas Scut's, e por isso, encontram-se também explicações noutros factores, que não apenas a redução do tráfego em geral, para a quebra de circulação nas autoestradas. Há igualmente autoestradas com volumes de tráfego muito abaixo do seu ponto crítico, ou seja, darão prejuízo ao preço e ao tráfego existente, tendo em conta os custos de estrutura. Perante este cenário aqui muito abreviado, a passividade do governo e dos concessionários é o rosto do conluio gerado pelas malfadadas parcerias público-privadas. Para o privado pouco importa as regras de mercado, ele sabe que independentemente do tráfego que houver, havendo prejuízo,esse será sempre coberto pelo Estado até atingir o lucro contratualizado na famosa TIR (Taxa Interna de Rentabilidade) sempre garantido pelo estado. Para o Estado baixar os preços, neste quadro económico vigente é um risco, preferindo manter a situação como está onerando os condutores com portagens a preços absurdos e irrealistas. A lei da oferta e da procura é central na teoria económica. Num mercado concorrencial, os bens e serviços normais terão tendência a diminuir a sua procura a um aumento do preço, mas também poderão aumentar a sua procura a uma diminuição do seu preço "Ceteris Paribus". Mantendo-se todo o resto igual. O problema é que as autoestradas não têm um concorrente, têm um substituto imperfeito e forçado que são as estradas nacionais, mas que não cumprem de todo, todos os requisitos enumerados anteriormenente, relativamente às autoestradas. Neste caso a concessão de uma autoestrada torna-se falaciosa e irresponsável, percebendo-se também da inércia e limitações da entidade reguladora. Objectivamente, sendo as autoestradas um bem público, não faz sentido a sua privatização através da concessão, ou outra forma de privatização. O Estado paga a autoestrada emitindo para o efeito divida pública com maturidades longas, para cumprir com o período estimado de vida útil. Estabelece um preço para os utentes, de forma a que esteja garantido o pagamento dos custos variáveis e estruturais, manutenção, etc. Quando o Estado decide concessionar a privados, o utente para além de pagar esse ónus, terá de pagar também o lucro forçado do accionista,. estabelecido pela TIR. Se a TIR definida contratualmente na parceria público-privada não é alcançada, aí entra o estado, ou seja, todos nós a pagar a concessão. Assim pagamos duas vezes, quer circulemos nas autoestradas ou não! Perante a observação de uma diminuição da circulação, conjugado com uma acentuada perda de rendimentos, aumento dos combustíveis, etc, seria da mais pura sensatez reduzir os preços das portagens entre 25 a 75% tendo em conta critérios de localização, rendimentos regionais, interioridade, antiguidade da autoestrada, volumes de tráfego etc. Denunciar igualmente as parcerias público-privadas como um crime altamente lesivo aos cofres públicos restaurando a sanidade das contas públicas nesta matéria. Desta forma, haveria uma eficiente transferência de recursos, dos cidadãos utilizadores para o Estado, não tendo que pagar rentabilidades descabidas de um bem público, para privados ancorados em falsos critérios e argumentos do risco "inexistente" do negócio.

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