quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A refundação do Estado

A refundação do Estado parece ser a nova palavra chave para desviar os cidadãos do essêncial. A profunda crise económica e a incompetência dos políticos do sistema em resolvê-la.
Enquanto que o desemprego cresce, os jovens são cada vez mais atirados para a precariedade, emigração e desemprego estrutural, o dogma neoliberal continua a "vomitar" a mesma cartilha de sempre. Austeridade, mais austeridade, e se os números não estiverem em ordem, mais austeridade.
Não interessa perceber que os déficits, só se combatem com rigor orçamental, que é diferente de austeridade, com políticas conjuntas públicas e privadas, em que se promova o investimento, e o consumo responsável, com políticas do lado da procura de forma a reactivar a economia.
Sem investimento na economia real, e uma reanimação do consumo iremos entrar num processo de empobrecimento estrutural e sucessivo.
A fuga para a frente de políticos inaptos é atacar o Estado social, nas suas variadas vertentes: o apoio social propriamente dito; não tenhamos ilusões, neste capitalismo de "papel" irá sempre haver vencedores e vencidos, não é um jogo de soma nula. A saúde universal e gratuita, paga pelos impostos dos cidadãos distingue-nos, de um profundo sentimento humanista, que ultrapassa qualquer barreira economicista. Tornar o sistema de saúde, mais uma mercadoria, sujeita a "leis de mercado" é perverso, desumano, e uma forte quebra do contrato social entre os cidadãos e os seus representantes no Estado.
A educação é fundamental para qualquer país que queira combater as desigualdades (Portugal é um dos países mais desigual da Europa). O acesso universal e gratuito não é um favor que se faz aos cidadãos, é uma benfeitoria para a sociedade, os ganhos económicos e sociais a prazo são imensamente superiores do que a mera aritmética financeira e conjuntural de um ou dois orçamentos de estado.
O Estado que se quer refundar agora sustenta-se nas teorias do Estado mínimo da escola inglesa do "deixar fazer", "laissez faire". John Stuart Mill, David Ricardo ou Jean Baptiste Say, partilhavam já no século XIX, inspirados pelo fundador da ciência económica moderna, Adam Smith, pensamentos como: "o melhor de todos os impostos é o que proporciona menores receitas", sustentada na primazia do mercado, e portanto na mercadorização de bens públicos, como a saúde ou a educação, canibalizada pelo sector privado, privando o Estado da função redistributiva, única forma de combater as desigualdades de rendimento, a pobreza extrema e a consequente desagregação e degradação social.
Por outro lado, no pós segunda guerra mundial, vinha sendo construído, em Portugal só após 1974, um Estado de bem-estar, que respeitava a propriedade privada, mas em contrapartida garantia aos seus cidadãos acesso a bens primários, redistribuidor de rendimento através de impostos justos e progressivos, actuando também como redutor do risco, incerteza e informação assimétrica.
Numa perspectiva utilitarista, e alicerce teórica de uma defesa de politícas redistributivas, a utilidade de um euro adicional para um individuo pobre é muito superior que à desutilidade de um euro a menos para um individuo rico, ou seja, transferir um euro do segundo individuo para o primeiro fará aumentar o bem estar social. Este argumento combate a ideia dos defensores do Estado mínimo de que a utilidade marginal do rendimento era constante, contrapondo com os defensores do Estado de bem-estar com o pressuposto de que a utilidade marginal do rendimento é decrescente. Este raciocínio tem lógica, na medida que através da analogia da sede e do prazer que o primeiro copo de água nos dá, não será igual ao prazer que o segundo copo de água, muito menos ao terceiro. O mesmo se poderá dizer da riqueza extrema, de gastos sumptuosos que ofendem a dignidade humana.
Assim, percebe-se que a refundação do Estado, passa por um incremento do Estado de bem-estar, com polítícas redistributivas, redutoras das desigualdades, mas também incentivadoras da inserção social através do mercado de trabalho.
Na actual conjuntura, onde se valoriza a especulação financeira e a economia do "nada", certamente que a refundação do Estado far-se-á na reconstrução do Estado mínimo, do laissez faire, privatizando os sistemas de saúde, a educação e afunilando o acesso a estes bens essênciais aos mais desfavorecidos economicamente. Eis enfim, a perspectiva maquiavélica da política e das funções do estado, na era moderna, a política liberta da moral, os fins justificam os meios para a perpetuação das elites endinheiradas no poder, e continuarem a controlar a "democracia" agonizante.
Apela-se a um regresso dos verdadeiros ideiais socialistas, de Eduard Bernstein e Jean Jaurès, que romperam com a estrutura revolucionária e violenta de Karl Marx, mas defenderam a via do socialismo parlamentar e ético para uma sociedade justa, e que certamente se insurgeriam hoje com as falsas ilusões das terceiras vias e da social democracia decadente, vendida e usurpada ao grande capital.

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