segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

À procura da Verdade

Vale muito a pena ler este relatório do Levy Economics Institute sobre a crise do euro. Aqui fica um pequeno excerto: Retirado de Jugular (João Galamba) e Ladrões de Bicicletas em 27/02/2012
Conventional wisdom suggests that the European debt crisis, which has thus far led to severe adjustment programs crafted by the European Union and the International Monetary Fund in both Greece and Ireland, was caused by fiscal profligacy on the part of peripheral, or noncore, countries in combination with a welfare state model, and that the role of the common currency—the euro—was at best minimal. This paper aims to show that, contrary to conventional wisdom, the crisis in Europe is the result of an imbalance between core and noncore countries that is inherent in the euro economic model. Underpinned by a process of monetary unification and financial deregulation, core eurozone countries pursued export-led growth policies—or, more specifically, “beggar thy neighbor” policies—at the expense of mounting disequilibria and debt accumulation in the periphery. This imbalance became unsustainable, and this unsustainability was a causal factor in the global financial crisis of 2007–08. The paper also maintains that the eurozone could avoid cumulative imbalances by adopting John Maynard Keynes’s notion of the generalized banking principle (a fundamental principle of his clearing union proposal) as a central element of its monetary integration arrangement
http://www.levyinstitute.org/pubs/wp_702.pdf (Para ver o artigo completo)

Aconselho também, um pouco no seguimento deste:

European Economists for an Alternative Economic Policy in Europe
EuroMemo Group
European integration at the crossroads
Democratic deepening for stability, solidarity and social justice
– EuroMemorandum 2012 –

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Paul Krugman - European Crisis Realities

--------------------------------------------------------------------------------

(Ver gráficos no fim do texto)

February 25, 2012, 7:01 am

European Crisis Realities

This is not original, but for reference I find some charts useful. In what follows I show data for the euro area minus Malta and Cyprus — 15 countries. I use red bars for the GIPSIs — Greece, Ireland, Portugal, Spain, Ireland — and blue bars for everyone else.
There are basically three stories about the euro crisis in wide circulation: the Republican story, the German story, and the truth.
The Republican story is that it’s all about excessive welfare states. How does that hold up? Well, let’s look at public social expenditures as a share of GDP in 2007, before the crisis, from the OECD Factbook:
Hmm, only Italy is in the top five — and Germany’s welfare state was bigger. (Ver 1º gráfico)
OK, the German story is that it’s about fiscal profligacy, running excessive deficits. From the IMF WEO database, here’s the average budget deficit between 1999 (the beginning of the euro) and 2007:
Greece is there, and Italy (although its deficits were not very big, and the ratio of debt to GDP fell over the period). But Portugal doesn’t stand out, and Spain and Ireland were models of virtue.
Finally, let’s look at the balance of payments — the current account deficit, which is the flip side of capital inflows (also from the IMF):
We’re doing a lot better here — especially when you bear in mind that Estonia, a recent entrant to the euro, had an 18 percent decline in real GDP between 2007 and 2009. (See Edward Hugh on why you shouldn’t make too much of the bounceback.)
What we’re basically looking at, then, is a balance of payments problem, in which capital flooded south after the creation of the euro, leading to overvaluation in southern Europe. It’s not a perfect fit — Italy managed to have relatively high inflation without large trade deficits. But it’s the main way you should think about where we are.
And the key point is that the two false diagnoses lead to policies that don’t address the real problem. You can slash the welfare state all you want (and the right wants to slash it down to bathtub-drowning size), but this has very little to do with export competitiveness. You can pursue crippling fiscal austerity, but this improves the external balance only by driving down the economy and hence import demand, with maybe, maybe, a gradual “internal devaluation” caused by high unemployment.
Now, if you’re running a peripheral nation, and the troika demands austerity, you have no choice except the nuclear option of leaving the euro, coming soon to a Balkan nation near you. But non-GIPSI European leaders should realize that what the GIPSIs really need is a general European reflation. So let’s hope that they get this, and also give each of us a pony.


 


"Where is growth going to come from?" Pedro Lains - Excelente artigo

No seguimento do artigo que publiquei anteriormente e reforçando as palavras que dediquei a Vítor Gaspar, aconselho a leitura deste excelente artigo.

No entanto faço um parentesis, não abordei uma das pérolas deste governo, o MNE - Paulo Portas... pronto está tudo dito, tanta delitância não cabe aqui.

"Where is growth going to come from?"


Francamente, não tive tempo antes, mas o assunto não podia morrer. Sobretudo depois de ver que a surpresa vem de outras partes, incluindo de um recente artigo do New York Times, onde o jornalista fica sem saber o que dizer quando o ministro das Finanças, à falta de melhor, cita George Washington em defesa da sua política financeira. Nessa entrevista, Gaspar não diz de onde virá o crescimento que permitirá a redução da dívida, concentrando-se apenas em elogiar a redução do défice - sem lembrar que o fez essencialmente com medidas temporárias, como a transferência das pensões dos bancos, ou anunciadas como tal (anúncio ainda não desmentido por quem tanto pugna pela honestidade financeira), como os cortes nas pensões e salários. De resto, diz apenas que o crescimento virá em 2014 e que será de 2% ao ano, e a gente aqui pode acreditar ou não.

Mas na sua intervenção na LSE, há cerca de duas semanas e entretanto publicada em podcast, Vítor Gaspar foi mais longe na explicação das origens do futuro crescimento do país. A palestra durou cerca de meia hora, tendo sido seguida por quase uma hora de perguntas e respostas. As duas partes foram interessantes, embora a segunda mais, até porque a palestra seguiu uns slides que se compreendem bem e em menos tempo.

Ao minuto 59, um certo Tomás, depois de elogiar o que o ministro tem feito pelo bom nome do país, colocou a pergunta crucial: "What are the pilars of growth for Portugal?". A resposta, dada aos minutos 70-75, foi muito elucidativa. Depois de refrasear a pergunta, Gaspar disse que a primeira fonte de crescimento será uma "normal cyclical recovery". Ou seja, isto vai abaixo e depois vem acima porque a economia passa a ter "lots of spare capacity". Pasme-se. Presume-se que quanto mais abaixo for, mais acima virá; e Passos deve estar com a esperança que essa "normal cyclical recovery" venha bem antes de 2015.

Mas o ministro ainda deu mais ideias sobre de onde virá o crescimento. Segundo ele, modelos dinâmicos e “convencionais” de equilíbrio geral, aplicados a Portugal, mostram que a eliminação de "markups" (que é mais ou menos a distância entre preços ou salários de monopólio e de mercado) levarão a um crescimento do PIB potencial de 10%, em 10 anos, acrescentando, com entusiasmo, que metade desse crescimento virá nos 3 primeiros anos do "programa". E como chega a esses resultados? Simples, a partir do exemplo da Alemanha "no passado recente" e de estimativas dos tais "markups" para Itália. Belo! Ainda acrescentou algumas palavras sobre a "agenda de reforma estrutural" mas aí só disse que tem "esperança" que ela tenha impacto, pois não está no modelo (claro, nunca ninguém conseguiu medir tal coisa...).

Entretanto, com um declínio acentuado da economia no último trimestre de 2011 e o desemprego a 14%, a primeira parte do programa parece estar a ser um grande êxito – que, seguramente, ainda crescerá. Aguardemos com expectativa os resultados da segunda parte do programa, a do modelo de equilíbrio geral que, felicidade, é "dinâmico e convencional". E alemão e italiano...

Os riscos desta aventura são tão grandes que surpreende que ninguém consiga dizer ao ministro que mais se parece com marxismo do que com outra coisa qualquer.



Posted at 11:25 in Economia portuguesa, Estudos de estudos
Permalink

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Quando os políticos são fracos.

Mais do que Escolas do Pensamento Económico, a Ciência Económica como tal, é colocada em prática por pessoas, que por sua vez usam o título de políticos.

Esses políticos pelas ideias que transportam e transmitem, a sua capacidade de as colocar no terreno, faz desenvolver aquilo que chamamos commumente de economia.

Os políticos que temos elegido recentemente não se compaginam com aquilo a que poderíamos chamar de "homens para o povo", pois raramente são homens do povo.

Alimentam-se de redes de contactos, de favores transitados e de uma ignorância extrema. Renegam ou simplesmente desconhecem a sua mais importante função, Estadistas.

Um estadista imbuído de uma pureza aristotélica democrata, que não esteja dependente de poderosos grupos de interesse, que seja isento e imparcial, que se preocupe realmente e genuinamente com os 14% de desempregos, com o aumento das desigualdades sociais e  com sinais alarmantes de fome, etc.

Que saiba junto das instituições europeias ter a coragem de saber dar um murro na mesa, por mais pequeno seja o seu país, que saiba dizer não aos mercados, que critique com aspereza, convicção e sapiência todos aqueles que possam, e pretendem denegrir o princípal sustentáculo de uma sociedade; o Estado de Direito, Constitucional e Livre.

Assim, um estadista deve ter uma noção humanista da democracia, ser independente, corajoso, e possuir um conhecimento vasto sobre os mais variados temas.

Não vejo nada disso neste governo. O discurso de Passos Coelho é confrangedor de tanta má qualidade, um discurso redondo, inócuo nas palvaras. Em suma é aquilo que se costuma dizer "não diz nada". Miguel Relvas, o que dizer sobre Miguel Relvas, parece um simples robô, qual máquina partidária que forma e deforma políticos assim. É o típico discurso do propagandista e oportunista político. Foge das polémicas como o diabo foge da cruz, quando prevê, deve ser o Pontifex Maximo do oráculo, quais entranhas lê, com areia atirada para os olhos dos portugueses.

Vítor Gaspar é o típico tecnocrata, fraco, limitado, sem um rasgo, sem um plano, sem emoções.

O caminho que seguem, é contra os interesses dos portugueses. Aumentam os impostos, mas em simultâneo reduzem os serviços públicos, é como ir a um restaurante num dia, e pagar 10 euros por três suculentos pedaços de picanha, e ir no dia seguinte e pagar 15 euros, não pelos mesmos três pedaços, mas agora por dois.

Não foram os portugueses que delapidaram criminosamente e para as gerações futuras o erário público com as desastrosas parcerias público-privadas.
Não foram os portugueses que inventaram, criaram ano após ano mecanismos de desorçamentação, para atingir custe o que custar metas nas contas públicas.
Não foram os portugueses que criaram um sistema de tachos e panelas, quando mudam as cores políticas, com gestores pagos a peso de ouro.
Não é certamente o investimento que se faz na saúde, na educação, na segurança pública, no apoio às pequenas e médias empresas que colocaram o país nesta situação.

No entanto, não podemos esquecer que são os portugueses que colocam os políticos nas esferas do poder da aplicação prática.

Mas o povo português é sereno....

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

As crises do capitalismo - de Francisco Louçã

Em 2009, o Financial Times publicou uma série de artigos de debate sobre um tema comum: o “futuro do capitalismo”. A crise financeira anterior e a recessão desse ano de 2009 levaram o jornal a convidar especialistas, governantes e analistas a discutirem este tema. Três anos depois, o mesmo diário convida-nos a lermos um novo debate, desta vez sobre “o capitalismo em crise”. A mudança do enunciado do tema é por si só reveladora da aflição.




O FT foi fundado em 1888, há portanto 124 anos. Vende agora mais de dois milhões de exemplares por dia, é impresso em 24 cidades pelo mundo fora, é um colosso no mundo digital – é simplesmente o jornal financeiro mais influente do mundo. Podemos tomá-lo como um indicador seguro das tendências ideológicas, das inquietações e das preocupações do mundo financeiro, assim como da evolução da economia e dos seus decisores.



Assim, o debate sobre “o capitalismo em crise”, que se tem estendido por Janeiro e Fevereiro, é, a todos os títulos, um retrato das perturbações financeiras e políticas de 2012. Nele participam predominantemente economistas conservadores como Kenneth Rogoff, do FMI, mas também anteriores ou actuais governantes dos Estados Unidos e do Reino Unido (um ex-ministro do ex-presidente Clinton, Robert Reich; o ministro das finanças inglês, George Osborne), governantes de outros países, o movimento Occupy London (citando o ultra-conservador Friedrich Hayek como autoridade literária!), o líder do Partido Trabalhista, Ed Miliband, um banqueiro chinês, Qin Xiao, ou comentadores célebres como Martin Wolf. No final de Janeiro, a revista Newsweek juntou-se também ao debate e publicou um dossier sobre “como remendar o capitalismo”, no mesmo tom.



Neste artigo, limito-me a reportar os temas principais destes debates e a identificar alguns dos seus argumentos, porque eles nos fornecem um guia interessante para a crise actual, nas suas certezas como nas suas hesitações. Parto de uma constatação: vale a pena ler esses textos e pensar sobre eles, porque são um retrato da perturbação que se está a viver. Nos mercados, nas ideias, nas políticas, nos alinhamentos sociais.



Perdoar-me-á o leitor ou a leitora, mas até estou convencido de que esse jornal, porta-voz da finança internacional, se dedica com mais profundidade à análise de algumas das falhas do capitalismo do que os advogados europeus da austeridade, as agências internacionais ou as doutrinas estabelecidas. Se bem que esteja por isso interessadíssimo na nova teoria que descobriu a sua Coreia do Norte na Islândia, o farol luminoso da meia-austeridade e o lugar onde o FMI seria cordato a orientar uma coligação encantadora, peço licença para ouvir antes os representantes do capitalismo em crise.



O debate do Financial Times (e da Newsweek) merece essa atenção, porque revela um sistemático trabalho de desmantelamento dos mitos do capitalismo, o que sugere antes de mais que os defensores do castelo são os primeiros a reconhecer as fragilidades da muralha. De facto, destes artigos resultam argumentos sobre quatro grandes brechas deste capitalismo da era da globalização.







Primeira brecha: o capitalismo cresceu e a desigualdade cresceu mais ainda.



O capitalismo foi um enorme sucesso social à custa de uma enorme tragédia social. Revolveu as entranhas do mundo: “tudo o que é sólido se dissolve no ar”, escreviam Marx e Engels no Manifesto Comunista de 1848. O capitalismo mudou tudo. Destruiu e construiu. E cresceu: segundo os cálculos de Angus Maddison, citados pela Newsweek, o produto mundial cresceu sete vezes desde o ano 1 da nossa era até 1820, ao longo de dezoito séculos, e cresceu setenta vezes nos dois séculos seguintes, até hoje – quase cem vezes mais depressa. A aceleração do tempo do capitalismo é retratada por este crescimento alucinante.



Só que o crescimento foi sempre desigual e é cada vez mais desigual nos dias de hoje. Diz a Newsweek: em 2010, os rendimentos dos administradores das grandes empresas norte-americanas foram 28% superiores aos do ano anterior (uma média de 10,8 milhões de dólares cada), cerca de 325 vezes mais do que média dos seus trabalhadores. Quanto mais grave a crise, mais crescem os rendimentos do topo. O Financial Times testemunha o mesmo, com dados ingleses: o rendimento dos administradores das cem principais empresas, as do índice FTSE100, era em 1980 cerca de 14 vezes a mediana dos salários das suas empresas e, trinta anos depois, passaram a ser cerca de 75 vezes essa mediana.



George Osborne, o ministro das finanças do governo conservador britânico, bem pode dizer que esta desigualdade é o resultado de estupidez e que não concorda que os bancos paguem bónus aos administradores que os conduziram a uma especulação sem freio e a uma crise grave. O facto é que o capitalismo passou a ser um sistema que promove e recompensa o fracasso.



Segunda brecha: a segunda grande depressão mobiliza o autoritarismo social contra alguns dos fundamentos da civilização.



Dois dos intervenientes do debate do Financial Times argumentam que este modelo de recompensa do fracasso é o resultado de um erro estrutural, porque o capitalismo sabe criar e vender mercadorias, mas não sabe criar e distribuir eficientemente os bens públicos. Vejamos onde nos leva este argumento.



Os bens públicos são a civilização: bens tão diferentes como a segurança, defesa, saúde, educação, segurança social, regulação do trânsito, respeito pela liberdade religiosa ou de não ter religião, liberdade de opinião e de imprensa, direito de manifestação, capacidade eleitoral activa e passiva, justiça ou investigação científica fundamental, não são produzidos pelas empresas nem resultam directamente de processos de acumulação de capital. Resultam de decisões políticas que são condições para a vida social, que podem portanto favorecer a acumulação de capital mas que lhe cobram uma prestação: o Estado faz-se pagar por estes serviços e a isso chama-se impostos.



Para Kenneth Rogoff, um economista que fez a sua carreira no FMI e que agora se dedica à análise das crises financeiras ao longo do tempo, o capitalismo é simplesmente pouco eficiente na geração de bens públicos e é por isso que tem de existir o Estado (a tese não é dele e é antiga, mas tem o seu fundamento). Martin Wolff, um dos mais reconhecidos comentadores do Financial Times, escreve que esses bens públicos são ainda mais difíceis de produzir na sociedade da globalização, mesmo que sejam fundamentais para criar ordem na sociedade. Dá-nos o seguinte exemplo da segurança: numa época anterior ao capitalismo, a segurança era garantida por bandidos que aterrorizavam a sua região mas impediam que outros a pilhassem, e a isso chamou-se feudalismo. Depois, a revolução industrial expandiu o Estado de muitas formas; uma delas foi assegurando um modo de segurança às pessoas. Nessa segurança foi incluída, mais recentemente, a garantia dada pelos economistas de que haveria estabilidade económica: os mercados seriam inerentemente estáveis e a estabilidade seria um bem público garantido automaticamente pelo funcionamento do mercado. Mas, como vimos – e toda a gente se pode aperceber no contexto da grande depressão – os mercados, pelo contrário, criam instabilidade e desigualdade.



A conclusão é minha: se isto é assim, aqui temos a explicação para o autoritarismo social que cresce com as soluções liberais durante a depressão, em particular com a economia da dívida – os bens públicos são desgastados ou destruídos, em nome de um processo de acumulação acelerado que atinge esses fundamentos da civilização. Só o autoritarismo pode permitir impor a perda dessas referências civilizacionais que são as bases da democracia representativa. O “capitalismo em crise” é portanto parteiro da democracia em crise.



A agressividade capitalista na desagregação das funções sociais do Estado é notória em alguns dos contributos para este debate, mas sobretudo na de Qin Xiao, que foi presidente da China Merchants Group e do China Merchants Bank, e que escreve no Financial Times a propósito do seu país: o Estado “deve deixar de interferir nos preços e transacções de mercado e retirar-se da regulação da terra, trabalho, energia e preços dos minérios, como dos preços do capital. Deve reformar os monopólios e privatizar eficientemente as empresas públicas”. É um distinto e oficialíssimo banqueiro chinês a escrever o receituário liberal mais tradicionalista.



Terceira brecha: a propriedade não determina a economia, mas há um poder invisível que decide.



Há ainda um outro factor de perturbação que preocupa muitos dos participantes neste debate que estou a citar: a mudança de rosto do capitalismo. Desde a revolução industrial, o capitalismo tinha um centro, os grandes monopólios nacionais e depois as grandes empresas transnacionais. Como nos lembra a Newsweek, os fundadores da teoria económica consideravam que esses centros eram perigosos: Adam Smith afirmava que a Companhia das Índias Orientais tinha privilégios “prejudiciais a todos os títulos”. Mais perigosos se tornaram, então, quando deixam de ser visíveis.



O Financial Times discute este efeito de desaparecimento dos capitalistas, comparando os administradores de hoje com as grandes dinastias que fizeram a indústria ou a finança modernas: os capitalistas tradicionais, como os Arkwright (um dos inventores e empresários da revolução industrial britânica) e os Rockefeller (um dos grandes financeiros norte-americanos) já não sobrevivem no mundo que criaram; são superados por outros decisores, uma casta de administradores omnipotentes. A propriedade dispersa-se tanto mais quanto mais se concentra o seu poder, e existe uma cabeça que fala por ela, uma nova burocracia. É assim que o FT a descreve: “Os titãs modernos baseiam a sua autoridade e influência na sua posição numa hierarquia, e não na propriedade do capital. Obtiveram as suas posições através das suas competências em política organizacional, do mesmo modo tradicional em que os bispos e generais ganham posições numa hierarquia eclesiástica ou militar” (11 Janeiro).



Estes novos generais e bispos moram nas finanças. Gerem massas colossais de poupanças e de capital, recebem os seus prémios em função de aplicações de curto prazo, manipulam as contas e as economias para se recompensarem a si próprios, como se queixam Rogoff, o homem do FMI, ou Ed Miliband, o chefe dos trabalhistas britânicos. A especulação deixou por isso de ser uma forma de gerir crédito e de distribuir rendimentos e mais-valias entre os proprietários do capital, passou a ser uma forma de acumular capital em prejuízo dos sectores submetidos da população e mesmo de parte das classes proprietárias.



Ora, a finança tornou-se soberana. Regista o jornal: entre 1977 e 2010, o volume das operações bancárias com câmbios subiu 23000% e os negócios com moedas e títulos de dívida representam agora 80% dos lucros dos maiores bancos. É contra os Estados que se faz a acumulação de capitais, que é sempre protegida pelos Estados. O que tem uma consequência, que não é identificada pelo debate nas páginas que estou a citar: a expropriação do trabalhador, agora como pagador de impostos, torna-se a chave dos rearranjos propostos na vertigem liberal. A captação de impostos para serem absorvidos pela economia da dívida, criando rendas garantidas a longo prazo, tornou-se assim uma forma predominante de apropriação de valor. A isso chama-se, como todos sabemos, “reformas estruturais”.



Quarta brecha: a crise financeira é também uma crise de legitimidade.



No quarto ano da crise – a que alguns economistas começaram a chamar a “segunda grande depressão” – há dois pilares da hegemonia do capitalismo que têm sido atingidos, segundo o debate do FT.



O primeiro desses pilares é a credibilidade social do mercado e do capital como centro director da sociedade. O capitalismo tem sido apresentado como uma meritocracia auto-regulada mas, como vimos, os autores que escrevem no FT perderam a fé e descobriram que a capacidade de afectação de recursos e de incentivos por estes mercados é pelo menos deficiente.



Ora, mesmo nos sectores mais conservadores, essa descrença está a ir muito longe: a ideia do mercado dominador é agora considerada repugnante. O exemplo mais esclarecedor é o da campanha eleitoral entre os republicanos norte-americanos, em que se destaca um facto sublinhado tanto pelo jornal como pela revista que estou a citar: Mitt Romney, candidato de referência de uma parte da direita republicana, é insultado pelos seus adversários mais conservadores e mais radicais na defesa do liberalismo … porque triunfou no mundo dos negócios. Romney fez carreira e fortuna a dirigir uma empresa de capital de risco, a Bain Capital, que, como é natural, acumulou os seus lucros com base na perda de outros accionistas, empresários ou trabalhadores. O mercado foi usado por Romney para enriquecer, arruinando outros: um exemplo de sucesso, portanto. Mas esse sucesso é agora o seu prejuízo político, usado contra si pelos seus próprios adversários dos mesmos sectores da direita, que o acusam de ganancioso (FT, 14-15 Janeiro). O capitalismo tem má fama. A sua aceitação popular está em queda, conclui o FT (9 Janeiro).



Outra expressão dessa desconfiança popular é a sondagem mundial da GlobeScan sobre a credibilidade de economia de mercado, que revela uma perda importante de apoio nos EUA, sendo esse resultado superado pelo maior apoio social do capitalismo … na China.



O segundo dos pilares em crise é a própria credibilidade da teoria económica em que assenta o neoliberalismo. Como lembra a Newsweek, a teoria económica tem sido a religião secular da modernidade. É certo: se identificarmos as principais características dessa religião, constatamos que ela desenvolve uma liturgia tranquilizante (os seus textos sagrados), cria um corpo de sacerdotes (os economistas doutrinários) e um conjunto de regras de comportamento imperativo (as regras de mercado). Todos se baseiam num embuste.



A liturgia é uma mistificação: os modelos de análise da economia exigem que os agentes económicos (que são todas as pessoas, sejam empresários ou assalariados) saibam tudo sobre o futuro e possam assim determinar com toda a certeza o futuro mais promissor. Na era da incerteza, a teoria garante os melhores resultados no pressuposto de que todos têm acesso a uma certeza transcendente.



Os sacerdotes não sabem: com a divulgação recente das minutas dos debates na cúpula da Reserva Federal norte-americana em 2006, ficou-se a saber que o governador, Ben Bernanke, quis registar o seu pensamento dizendo que “Penso que é improvável que o crescimento seja descarrilado pelo mercado imobiliário”. Um ano depois, o mercado imobiliário chamava-se subprime e a finança caía como um castelo de cartas (ainda está a cair). Benanke continua no seu lugar.



E, finalmente, as leis não funcionam. E não funcionam no sistema financeiro, antes de mais. Um artigo do FT, com algum humor, cita um estudo antigo da universidade de Berkeley (existem outros ainda mais sarcásticos), que comparou os resultados de previsões financeiras feitas por macacos que fazem marcas ao acaso num quadro de empresas cotadas na Bolsa, com as sérias previsões feitas por distintos analistas financeiros. Os macacos ganharam (16 Janeiro).



Se a liturgia, os bispos (ou os generais desse poder burocrático) e as leis não funcionam, o que é que funciona? A resposta dada por alguns dos artigos citados é simples. Funciona o autoritarismo. O que nos dá uma lição: segundo estes seus estudiosos e defensores, o capitalismo em crise é o mais perigoso.



Por tudo isto, tenho uma recomendação a fazer a quem luta pelo socialismo. A todos e todas sem excepção. Este é um bom momento para estudar o capitalismo realmente existente. Abandonemos as fantasias cordatas: é mesmo útil saber em que mundo é que se tem os pés assentes, conhecer o poder e as ambições do capital, reconhecer as dificuldades e a vertigem da grande depressão. E, já agora, começar por ler o que a finança escreve sobre si própria. Não há melhor professor do que a realidade.







Francisco Louçã

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

RSI - Situação actual

Mais um excelente trabalho do blog "Ladrões de Bicicletas" sobre o RSI -

Se visitarem a página do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social no portal do governo, encontram à direita um gráfico curioso (este primeiro, que aqui se reproduz). Indica o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) e, num olhar menos atento, sugere estar a verificar-se uma evolução positiva.

Analisando o gráfico com maior cuidado, percebe-se porém que os dados se limitam (convenientemente?) ao período entre 2007 e 2010, no qual se registou de facto um aumento tendencial do número de beneficiários (coerente com o eclodir da crise).

É que, desde então, nomeadamente a partir da aprovação do PEC 1 (em Março de 2010), a diminuição do número de beneficiários do RSI tem sido violenta e constante (como mostra o segundo gráfico, elaborado a partir dos dados disponíveis na
página da Segurança Social).

Esta redução resulta, numa primeira fase,
da pressão populista e infundada dos partidos de direita sobre o governo anterior (e que este lamentavelmente acolheu) e, numa segunda fase, já com os arautos demagogos do «combate ao subsídio à preguiça» e da «remoção das zonas de conforto» na condução suicida do país, como os números do desemprego ontem divulgados demonstram.

De facto, perante o valor recorde de desemprego a que se chegou (desde 2008 a taxa praticamente duplicou) e com cerca de
25% dos portugueses em risco de exclusão social, seria de esperar que o RSI aumentasse em número de beneficiários, servindo assim de almofada mínima protectora ao agravamento das condições de vida. Não é todavia isso que nos dizem os dados, tal como não é isso que nos mostra o «gráfico encolhido» que o governo colocou no seu portal.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ao Ritmo da Austeridade e da Mediocridade

A questão do Carnaval marca bem o pensamento mesquinho, medíocre deste Primeiro Ministro.

A não concessão de tolerância de ponto para a festa do Carnaval, tendo em conta tradições e mesmo a importância do impacto económico deste período festivo marca um estilo poeirento, ultrapassado, um laivo ditatorial e arrogante que exorta memórias antigas e que acreditava já ultrapassadas.

Este governo, na sua ânsia de mostrar-se como uma entidade altamente trabalhadora, querendo dar uma imagem ao exterior assume na sua dialética política que a redução de feriados é uma das soluções para aumentar a produtividade, e consequentemente promover o crescimento do país.

Em média, os feriados em Portugal são semelhantes a outros países europeus, ou seja, não há feriados a mais em Portugal.

O problema de Portugal não tem nada a ver com os feriados, o problema de Portugal, é a existência de alguns empresários que mal sabem ler e escrever, de alguns trabalhadores que pactuam com outro grave problema que é o absentismo laboral.

Estas duas questões entroncam com outras duas, que para mim são fundamentais e potenciadoras a prazo, de aumentos perenes e eficazes de produtividade: Formação e Motivação.

Lamentavelmente, no último acordo assinado pelos chamados parceiros sociais, nada se fala da formação, quer dos trabalhadores, quer dos empresários, opta-se por retirar direitos aos trabalhadores, reduzir salários, etc... assim, daqui a algum tempo, vai-se voltar a retirar mais alguma coisa.

O aspecto motivacional, liga-se directamente à formação, a boas condições de trabalho, a remunerações justas e incentivadoras, horários de trabalho justos e acordados...

Penso que, se o governo e os parceiros sociais concentrarem os seus esforços a pensarem e a produzirem legislação que potenciem a formação e a motivação, a prazo certamente iremos ter um país mais produtivo, mais rico e mais feliz.

Com este governo e estas políticas vamos apenas ter mais do mesmo, com a agravante de estarmos a experienciar um doloroso processo de desalavancagem financeira.