sexta-feira, 17 de junho de 2011

Agricultura de Proximidade

Na proximidade do verão de 2009 assisti a um seminário organizado pelo Bloco de Esquerda no Hotel Turismo em Braga. O tema era sobre o mundo rural, e as suas interacções com o mundo actual.
Para o efeito, a entidade organizadora convidou proeminentes especialistas da área em questão.

O ponto essencial que me chamou mais atenção teve a ver com a agricultura de proximidade, e lembrei-me agora deste assunto, quando vejo alguns políticos, responsáveis até pelo desmantelamento das nossas estruturas agrícolas e piscatórias, à 15 / 20 atrás, apelam hoje ao retorno à terra, aos jovens etc etc etc.

Levamos demasiado à letra que os países mais evoluídos e criadores de riqueza, seriam países com um peso mínimo do sector primário, e um peso máximo do sector terciário (vulgo serviços). Nada mais errado. O que importa são os níveis de produtividade e competitividade de cada sector. No caso do sector primário, sem dúvida que a aposta na modernização, da fixação de pessoas, remunerando-as justamente, activando meios de escoamento de produtos, desenvolvendo um mix de investimento público e privado no sector, resultaria sem dúvida numa menor dependência de Portugal a nível alimentar, sabendo que o nosso déficit alimentar ronda em 2010 os 3 mil milhões de euros (ver: http://www.anilact.pt/component/content/article/3656-contrariar-dependia-externa-e-apoiar-agricultores) importando 75% daquilo que consome em alimentos, com todos os efeitos negativos que esta exposição tem para Portugal, na dívida externa, na depêndencia de um bem essencial à vida humana, na sujeição à variação de preços internacionais, muitas vezes levada a cabo por meros especuladores.

A agricultura de proximidade, com negócios locais e exportações para países vizinhos próximos, permite vantagens óbvias para os produtores e para os consumidores.

A preservação da qualidade de diversos produtos facilmente perecíveis, à custa de prejuízos ambientais, longas viagens para transportar produtos agrícolas, criam um colete de forças no sector e acima de tudo um alerta que a globalização tem limites, nem que sejam impostos pela própria natureza.

O Banco de Terras Público proposto na anterior legislatura pelo Bloco de Esquerda, é inegavelmente um avanço positivo no contexto actual da agricultura Portuguesa.

Esta proposta, de uma forma simplificada permite aos agricultores trabalharem as terras agrícolas abandonadas, sem que os respectivos donos percam a sua propriedade, sabendo que existe um abandono crescente de terrenos aráveis, com as respectivas consequências maléficas para o país. (Ver: http://economia.publico.pt/Noticia/comissao-parlamentar-aprova-proposta-de-banco-de-terras-do-be_1463350)





quinta-feira, 16 de junho de 2011

Por que é que os economistas aparentam saber tão pouco sobre a economia?

Retirado: 15 Junho2011

11:11

João Pinto e Castro



Tive o choque da minha vida quando, após realizar testes de orientação profissional, me recomendaram que cursasse Economia.

Nunca antes me passara pela cabeça estudar o tema porque, muito simplesmente, ignorava o que faziam os economistas. Passados tantos anos, a dúvida sobre o que fazem e para que servem os economistas continua a afligir muita gente.

Os Nóbeis atribuídos nos últimos anos comprovam que os economistas investigam assuntos de grande relevância para o entendimento do funcionamento dos mercados, como sejam a psicologia dos consumidores, a informação assimétrica, as falhas de coordenação, os obstáculos à cooperação dentro das empresas ou as condições que favorecem o alargamento das desigualdades.



Todavia, a síntese dessa investigação que é servida aos estudantes e à opinião pública ignora sistematicamente as limitações da racionalidade humana e as falhas dos sistemas económicos que delas decorrem, em favor de uma visão cor-de-rosa do funcionamento dos mercados desregulados. Assim, embora o estudo do comportamento dos agentes económicos demonstre que os pressupostos da microeconomia estão errados, ela continua a ser ensinada como se nada fosse. A microeconomia - disciplina rainha da síntese neoclássica - adotou, aliás, uma metodologia oposta à da ciência experimental: partindo de um certo número de axiomas, vai por aí fora deduzindo teoremas em catadupa ao jeito de um manual de geometria. Tanto os axiomas como os teoremas são falsos, mas isso não incomoda os guardiões da teoria económica.

 
Na sua ânsia de imitarem a física, não só os economistas académicos procuram uma teoria geral unificada, como, ao invés dela, julgam tê-la descoberto. E é isso que ensinam a gerações de jovens desprevenidos.

 
Os alunos aprendem logo no primeiro ano que a instituição de um salário mínimo cria desemprego. Mais tarde, ao nível pós-graduado, será confidenciado aos poucos que lá chegarem que, à luz da evidência disponível, essa proposição é tudo menos certa. Nessa fase do processo de doutrinação, porém, eles já estarão pouco disponíveis para questionar os dogmas da profissão. Quanto aos que não atingiram esse patamar, virão cá para fora de boa-fé papaguear a pseudo-ciência que lhes foi ministrada.

 
Os economistas empregam-se sobretudo no estado, nos bancos, na universidade e na televisão. As duas últimas ocupações devem ser consideradas normais, pois alguém deve explicar aos mortais que, por muito mal que as coisas corram, vivemos no melhor dos mundos, apenas perturbado pela inoportuna intervenção de políticos condicionados pelo voto popular. O fascínio dos economistas pelos bancos também não causa estranheza: afinal, como lapidarmente proclamou o assaltante Willie Sutton, "é lá que está o dinheiro".

 
Já é mais difícil entender-se o que fazem tantos economistas - de facto, a larga maioria deles - a trabalhar no estado, tendo em conta a sua paixão pelo mercado e pelo setor privado e a aversão instintiva que lhes desperta o setor público. Os economistas amam loucamente o mercado livre, a concorrência sem freios, o empreendedorismo audaz e a globalização absoluta - mas só de longe. Dir-se-ia que temem repetir o desapontamento dos Hebreus antigos quando, depois de vaguearem décadas pelo deserto em busca da Terra Prometida, acabaram por descobrir que, afinal, lá não brotavam das pedras o leite e o maná.



Todos estranhariamos que a física e a química se revelasse inútil para os engenheiros ou a biologia para os médicos. Todavia, o presente ensino da economia não melhora em nada - bem pelo contrário - as competências dos gestores. Isso sucede porque o paradigma dominante desincentiva o conhecimento direto da realidade económica. Os neoclássicos apenas cuidam de "factos estilizados", ou seja, da quantificação daqueles conceitos que mais facilmente se moldam às suas teorias favoritas.

 
Dada tanta ignorância das realidades das economias contemporâneas, não admira que, confrontados com a atual crise de crescimento, os economistas se limitem a propor: "É preciso incrementar o empreenderorismo, é preciso aumentar a produtividade!" Ou seja, devolvem-nos o problema intacto, mas chamam-lhe solução.

 
Não é possível entender-se a economia quando só se entende de economia. Porém, fazendo a síntese neoclássica ponto de honra de isolar a economia das restantes ciências sociais, os estudantes são estimulados a ignorar a história económica e política, a história das doutrinas económicas, a filosofia política, a sociologia e a antropologia.  (Esta é a parte que me fez citar na íntegra este artigo, e o motivo porque estudo Economia Social)

 
Basicamente, o mundo caminhou desprevenido para a situação em que se encontra porque confiou ingenuamente nas doutrinas económicas dominantes. Por que raio deveria agora acreditar que essas mesmas ideias conseguirão tirá-lo do buraco em que se encontra, quando elas persistem num tão grande desconhecimento das realidades das economias contemporâneas?



quarta-feira, 8 de junho de 2011

Este País não é para pobres

Retirado do blog: Ladrões de Bicicletas 8/06/2011 - Nuno Serra

Sensivelmente no espaço de um ano, enquanto a taxa de desemprego passou de 10,6% para 11,2% e o número de pessoas apoiadas pelo Banco Alimentar contra a Fome (BA) aumenta de 272 mil para 319 mil, o Rendimento Social de Inserção (RSI) registou uma redução no número de beneficiários de cerca de um terço, em resultado dos «ajustamentos» efectuados nas regras de atribuição. Estamos, como é óbvio, muito para lá do universo do combate às situações de fraude no RSI, a que a direita agora no poder sempre quis despudoradamente reduzir, de um ponto de vista simbólico, esta prestação social.



Se encararmos o apoio concedido pelo Banco Alimentar, dada a sua natureza, como revelador das necessidades sociais mais prementes, percebemos como o alcance do RSI (que beneficia actualmente cerca de 334 mil pessoas), se contraíu a um universo muito próximo do das situações de carência mais elementar. O que, num país onde o número de cidadãos abaixo do limiar da pobreza ronda os 2 milhões, e em que a pobreza infantil atinge cerca de duas em cada cinco crianças, diz muito sobre o «estado social» a que chegámos e sobre quem é mais violentamente atingido pela desiquilibrada ofensiva austeritária.



Em Abril passado, o valor médio da prestação do RSI por família rondava os 242€ mensais, situando-se em cerca de 89€ o valor médio por beneficiário. É a estes valores de referência, portanto, que Passos Coelho entende dever corresponder a obrigação de efectuar «trabalho cívico», lembrando - não por acaso - a proposta de Bagão Félix e Miguel Relvas em 2007, no sentido de reconfigurar a «moldura penal» dos crimes de aborto, convertendo a pena de prisão até três anos (prevista na lei então em vigor) em «trabalho comunitário», a que se deveriam dedicar as mulheres que incorressem nessa «prática». É pois todo um programa, cristalinamente revelador da visão «humanista» destes putativos ministros do próximo governo.



Ao considerar que as míseras prestações do RSI devem implicar a prestação de «serviço cívico» pelos seus beneficiários, a direita revela em toda a linha como não está - decididamente - preocupada com a «inserção social» (objectivo consagrado no entendimento subjacente ao Rendimento Mínimo Garantido, criado por Paulo Pedroso em 1997). Não se trata de tirar ninguém da pobreza. Trata-se apenas de pagar um tributo pelas migalhas recebidas, de cumprir o merecido castigo pela «preguiça deliberada» em que supostamente os beneficiários do RSI se encontram.
 

terça-feira, 7 de junho de 2011

Porque devemos reestruturar a dívida pública e como fazê-lo

Porque devemos reestruturar a dívida pública e como fazê-lo

4 Junho 2011


Alberto Garzón Espinosa – Conselho Científico da ATTAC Espanha

Como é sabido, a crise financeira transformou-se em crise económica, porque as entidades financeiras encarregadas de financiar a actividade produtiva deixaram de fazê-lo, temendo piorar o estado dos seus balanços, já muito deteriorados por activos tóxicos. Activos tóxicos que recebiam esse nome porque, ainda que o preço de mercado fosse, formalmente, muito alto, careciam, na realidade de valor real - mais tarde ou mais cedo, teríam que contabilizar-se como perdas.

A quebra da concessão sôfrega de crédito conduziu a uma paralização do consumo e investimento nas várias economias nacionais; em Espanha, além disso, fez rebentar, definitivamente, a sua particular bolha imobiliária. Uma bolha que havia sido tornada possível pelas entidades financeiras, credoras de quantidades brutais de dinheiro, obtido nos mercados financeiros (empréstimos interbancários, emissão de obrigações e titularização, etc. ). Durante todos estes anos, o crédito privado foi o combustível de um modelo produtivo totalmente esgotado e que, na sua queda, provocou taxas de desemprego socialmente insustentáveis.

Para tentar conter a crise, os Estados europeus foram obrigados a desembolsar quantias enormes de dinheiro público. Por um lado, aprovaram resgates financeiros às entidades com problemas e, inclusivamente, em muitos casos, nacionalizaram-nas por completo. Por outro lado, levaram a cabo programas de estímulo económico cujo objectivo era criar emprego público e, desse modo, travar a queda do consumo e do investimento. Tudo isso conduziu ao incremento da despesa pública.

Do lado da receita, os Estados lidaram com as dificuldades próprias de um momento de crise económica. Dada a importância dos impostos na receita dos Estados (são a maior fonte de receitas públicas; em menor medida, os lucros das empresas públicas), e dado que esses impostos estão associados à renda, ao lucro e ao consumo... com a queda dessas variáveis, também as receitas públicas caíram.

Assim, a queda das receitas e o aumento das despesas causou o aumento do défice orçamental (a diferença entre receitas e despesas). Algo que o próprio Fundo Monetário Internacional reconheceu. E, para financiar esse desequilíbrio, os Estados tiveram que incrementar o seu endividamento exterior, ou seja, tiveram que emitir mais dívida.


Como se percebe no gráfico, o endividamento de todos os países aumentou como consequência da crise, e não ao contrário, como alguns autores têm sugerido, tentando dissociar a responsabilidade bancária da degradação da situação fiscal dos países.

A emissão de dívida é um processo simples. Os Estados emitem títulos que proporcionam uma rentabilidade determinada ao seu comprador. No chamado mercado da dívida pública, os investidores (bancos, fundos de investimento, multimilionários...) participam no leilão e, desse acto, surge a taxa de juro paga pelo Estado sobre os títulos. Ao fim e ao cabo, os títulos de dívida pública constituem o processo pelo qual o Estado se endivida perante outros agentes (que também podem ser outros países). Quanto maior o número de compradores no leilão, menor o preço pago pelo Estado.

É evidente que a dívida contraída pelo Estado gera taxas de juro que é necessário pagar com regularidade (na forma de cupões) e os quais é necessário financiar, de alguma forma. Dado que a crise se mantém e a situação fiscal do Estado (a relação receitas-despesas) também se mantém, o Estado vê-se obrigado a reendividar-se. Aumentam, portanto, os chamados Encargos da Dívida, e pode entrar-se num círculo vicioso de que é muito complicado sair.

É necessário acrescentar, a isto, os processos especulativos, que tornam a carga da dívida ainda maior ou menos eficiente. Os investidores podem especular contra a dívida pública (como fizeram com a Grécia ou a Espanha), e provocar, assim, o encarecimento da emissão futura de dívida pública (aumentando a rentabilidade para o investidor). Tudo isto intensifica o círculo vicioso anterior.
O futuro da dívida pública e os planos de ajustamento

As medidas dos governos europeus têm o objectivo de aplicar os planos de ajustamento. Querem corrigir o défice orçamental através de uma descida das despesas públicas, o que acarretará um retrocesso do Estado social, e, em certa medida, através do aumento das receitas, sobretudo através de impostos indirectos (que são regressivos porque afectam, igualmente, ricos e pobres).

Contudo, esse caminho enfrentará riscos insuperáveis, como já advertiram, inclusivamente, prémios Nobel da economia como Krugman ou Stiglitz, dado que a despesa pública é um componente da procura com importância acrescida em momentos de crise. Se a despesa pública diminui, o consumo e o investimento também continuarão em queda, aprofundando a quebra económica. O consumo, sem a contribuição-chave do Estado, cairá, e as empresas não investirão num mercado em regressão, pelo que não haverá criação de emprego - haverá, pelo contrário, destruição de postos de trabalho. Isto, acrescentado à reforma errónea do sistema financeiro (que, ao continuar privado, não abrirá as portas às pequenas e médias empresas, que são as verdadeiras criadoras de emprego) e as reformas laborais (que precarizarão, ainda mais, o trabalho e reduzirão, em agregado, a capacidade de consumo da população), conduzirá a um desastre - nas palavras de Stiglitz.

Portanto, mesmo que a ofensiva neoliberal em curso seja bem-sucedida na redução da despesa pública, não terá a mesma sorte com a manutenção ou subida das receitas. Pelo contrário, é muito provável que as receitas continuem a diminuir e, portanto, que a relação mais relevante (receitas-despesas) continue a deteriorar-se. O que obrigará a um regresso contínuo ao mercado de dívida e ao reendividamento.

 
Reestruturar a dívida

O não-pagamento da dívida é uma necessidade imperiosa para os países que estão presos neste círculo vicioso, ainda que, por certo, não seja a única medida imprescindível. Já existem muitos movimentos sociais partidos políticos - de esquerda - a reclamar a reestruturação ou não-pagamento da dívida. Não obstante, uma coisa é reestruturar a dívida; outra, muito diferente, é não pagar a totalidade da mesma. A reestruturação supõe a diferenciação dos vários contratos de dívida assumidos pelo Estado e modificar o seu prazo, a sua quantidade ou, inclusivamente, cancelar uma parcela ou a sua totalidade. É isto, precisamente, que está a ser reclamado pelos movimentos de esquerda.

A reestruturação dirigida pelos devedores (debtor-led default), ao contrário da reestruturação dirigida pelos credores (creditor-led default), supõe a realização de uma auditoria prévia da totalidade da dívida, controlada pelas cidadãs e cidadãos. Trata-se de determinar que parte da dívida é ilegal, imoral ou directamente insustentável. Por exemplo, pode declarar-se imoral qualquer contrato de dívida subscrito por bancos resgatados com dinheiro público ou, inclusivamente, por bancos que tenham comprado dívida pública com dinheiro obtido junto do Banco Central Europeu. Nesse caso, pode reestruturar-se o prazo, o volume ou, simplesmente, declarar que não se paga. O objectivo é reduzir a carga da dívida.

É claro que este processo tem custos políticos e económicos importantes. Os mercados financeiros (os credores: bancos e outros agentes financeiros) actuariam conjuntamente para atacar e especular contra o país em questão. Também haveria reticências radicais, a nível institucional, por parte da União Europeia e do Banco Central Europeu, além dos bancos nacionais. Por isso, seria recomendável que a reestruturação fizesse parte de um plano mais amplo e que, além disso, estivesse coordenado, pelo menos, pelos países que dele têm mais necessidade. Estes países são periféricos, como Portugal, Grécia ou Espanha. O desejável, ainda assim, seria uma auditoria a nível europeu.

O plano mais amplo deveria incluir, como têm recomendado autores como Onaran, Husson, Toussaint o Lordón, a nacionalização das entidades financeiras e a contrução europeu de um novo sistema sancionatório que puna especialmente as rendas parasitárias do capital e as grandes fortunas, além de servir para reverter a tendência para desigualdade na distribuição de receitas entre capital e trabalho. Também seriam necessárias medidas correctivas dos desequilíbrios europeus (como apontado pelo relatório da Research on Money and Finance) e da altíssima dívida privada.

(Original aqui) http://www.attacmallorca.es/2011/06/04/por-que-debemos-reestructurar-la-deuda-publica-y-como-hacerlo/

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Stiglitz: a austeridade condena a Europa e os EUA à estagnação

O Nobel da Economia Joseph Stiglitz considera que os EUA e a Europa estão a tomar más decisões para tentar superar a crise e assegura que as políticas de austeridade não são a solução.

Artigo
5 Junho, 2011 - 17:00

O Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, já em Fevereiro deste ano defendia que devido às medidas de austeridade as economias europeias iriam ser afectadas “pelos cortes públicos e pela subida das taxas de juro”. Segundo noticia a Europapress.es, esta sexta-feira, durante a sua intervenção na reunião anual do Círculo de Economia em Sitges, Stiglitz alertou que "a estratégia de austeridade é uma estratégia que vai condenar os EUA e a Europa à estagnação, ao baixo crescimento e, por sua vez, o défice não poderá melhorar muito".
O economista admitiu que é compreensível a adopção de medidas de austeridade, devido ao tamanho dos défices públicos, mas argumentou que a austeridade dos governos não tem ajudado, levando a uma grande baixa no consumo interno, enfraquecendo o investimento e as exportações.
Stiglitz critica acção dos bancos centrais
Stiglitz teceu duras críticas aos bancos centrais, dizendo que "não são a fonte da sabedoria” e têm antes “fortes prioridades políticas". Uma situação mais presente na Europa do que nos EUA, sustentou.
Neste sentido, o economista criticou o resgate da Grécia: "Não se trata de um resgate, mas de uma protecção dos bancos europeus que têm emprestado muito, tornando-se credores desses países, e agora vêem-se ameaçados com uma possível reestruturação."
"A sequência dos resgates, o que faz é agravar o problema", advertiu, argumentando que desta forma transfere-se a dívida do sector privado para o Governo, que em caso de reestruturação deve responder.
Stiglitz afirmou que os EUA, por exemplo, deveriam levar a cabo reformas para reestruturar os impostos e os programas de despesas, o que poderia levar a um maior crescimento, uma maior procura associada a um défice menor.
Já no caso da União Europeia, Stiglitz apontou que a solução seria criar um fundo de solidariedade, mas sublinhou que a melhor opção é uma reestruturação bancária.

Fonte: Esquerda.net

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Duas lendas da ortodoxolândia que nos levam à pobreza

Duas lendas da ortodoxolândia que nos levam à pobreza


Pretendo aqui destacar dois mitos da Economia ortodoxa que sobrevivem nas mentes de políticos e economistas: a redução dos salários como solução para o problema do desemprego e a redução da despesa como solução para o equilíbrio das contas.


Citado de: (Esquerda.net)
opiniao
2 Junho, 2011 - 00:10
Por Ricardo Coelho

 
Pretendo aqui destacar dois mitos da Economia ortodoxa que sobrevivem nas mentes de políticos e economistas: a redução dos salários como solução para o problema do desemprego e a redução da despesa como solução para o equilíbrio das contas.

A economia ortodoxa, influenciada sobretudo pela escola neo-clássica, vive num estado de negação permanente. Mesmo quando a realidade desmente categoricamente as suas teorias, os seus seguidores fazem questão de salientar que deve haver algo de errado com a realidade. Assim se compreende como a emergência de uma crise financeira cuja ocorrência era impossível de prever usando os modelos ortodoxos não tenha mudado nada no ensino da Economia.

 

Pretendo aqui destacar dois mitos da Economia ortodoxa que sobrevivem nas mentes de políticos e economistas: a redução dos salários como solução para o problema do desemprego e a redução da despesa como solução para o equilíbrio das contas. Em ambos os casos, lidamos com teorias que são intuitivamente correctas (o que explica, em parte, a sua popularidade) mas que não têm qualquer ligação com a realidade.

 
No primeiro caso, temos a ideia de que existe um mercado de trabalho, com uma oferta e procura, no qual o trabalho é comercializado como qualquer outra mercadoria. Se o mercado não for regulado e existir concorrência perfeita, então a procura será igual à oferta e ninguém estará involuntariamente no desemprego. Mas se um sindicato consegue a malvadez de impor um salário mínimo acima do salário de equilíbrio, então a oferta será superior à procura e existirá desemprego involuntário. Os sindicatos são portanto organizações corporativas, que garantem melhores condições para os que trabalham à custa do agravamento das condições de vida para os que estão desempregados.

 

Partindo desta teoria, economistas como Vítor Bento, conselheiro de Cavaco Silva ou Vítor Constâncio, Vice-Presidente do Banco Central Europeu defendem a baixa salarial como meio de gerar mais emprego (não sendo claro se os seus salários generosos também seriam afectados por essa medida). Acabando com “imperfeições” que não permitem o mercado funcionar, com o salário mínimo e com o subsídio de desemprego, resolve-se o problema do desemprego. Mas fora da ortodoxolândia, onde estes economistas vivem, a história é muito diferente.

 
No mundo real, não existe um mercado de trabalho mas antes um conjunto de arranjos institucionais que permitem o encontro de quem procura e quem oferece emprego. O economista Vítor Bento não compete por trabalho com quem não tem as suas qualificações e o Banco Central Europeu certamente recorre mais frequentemente à promoção interna que ao recrutamento externo quando tem de escolher um novo quadro. Do encontro entre quem oferece e quem procura emprego resulta um contrato de trabalho, cujas características serão mediadas por factores externos como a legislação laboral ou a relação de forças entre trabalhadores e empregadores. As condições de trabalho que resultam deste processo, por sua vez, serão um factor determinante em variáveis como o consumo, a poupança e o investimento. No mundo real, tudo está ligado com tudo.

 

Assim se compreende como fora da ortodoxolândia, os salários baixos promovem o desemprego e não o emprego. Um artigo sobre a relação entre salários e emprego, do economista Engelbert Stockhammer1, apresenta o gráfico abaixo apresentado, no qual se pode ver a evolução dos salários reais e do desemprego na OCDE durante uma década (1995-2004). Fosse a economia dos manuais correcta e teríamos pelo menos quase todos os países nos quadrantes superior direito e inferior esquerdo. Ou seja, teríamos o desemprego a aumentar onde os salários reais estão a aumentar e vice-versa.

 
A análise cross-section apresentada é complementada com uma análise temporal, na qual se mostra como não existe qualquer relação entre a variação dos salários e o emprego na OCDE no período de 1960 a 2006. Como se pode ver no gráfico seguinte, a tendência de baixa salarial desde 1975 tem sido acompanhada por uma tendência para o aumento do desemprego.

 
Stockhammer explica a divergência entre a teoria e a realidade pelo facto de o emprego nos países da OCDE ser sobretudo guiado pela procura. Se há melhores salários, as pessoas podem adquirir mais bens e serviços e com isso alimentar uma economia que emprega mais gente. Se, pelo contrário, os salários descem, o consumo retrai-se e o desemprego aumenta. Ou seja, o aumento da apropriação da mais-valia produzida pelos trabalhadores apenas beneficia os empresários.

 

O segundo mito pode ser desmontado com a mesma facilidade. A estória contada na ortodoxolândia é tão básica quanto o raciocínio de Medina Carreira: se queremos reduzir o défice orçamental, temos de reduzir a despesa pública. Tudo se passa como numa família, que ficará com mais dinheiro ao fim do mês se gastar menos. Este é possivelmente o mais perigoso mito da actualidade.

 
Defender que uma economia nacional tem um nível de complexidade semelhante ao de uma economia familiar é tão absurdo quanto comparar a dificuldade de aprender a teoria da relatividade à dificuldade de memorizar a tabuada. Uma política eficaz para uma economia saudável tem de ser fundada em teorias sólidas e em dados concretos, não em “bitaites” de treinadores de bancada. Vejamos então o que nos ensina a experiência com a política económica.

 
O gráfico abaixo representado foi retirado de um estudo da economista Victoria Chick2, que pretende ilustrar as previsíveis consequências negativas das medidas de austeridade impostas pelo governo conservador britânico. O gráfico mostra a relação entre a variação na dívida pública e a variação na despesa pública em vários períodos de tempo. A ortodoxia exigiria que os pontos do gráfico estivessem todos no quadrante inferior esquerdo, onde a dívida desce ao mesmo tempo que a despesa desce.

 
O que se vê claramente neste gráfico é que, se deixarmos de lado os períodos das duas guerras mundiais, durante os quais a despesa pública foi extremamente elevada devido aos gastos com armamento, a tendência é para a dívida pública aumentar quando a despesa pública diminui e vice-versa. Nada de novo para quem vê as notícias, já que a dívida pública da Grécia e da Irlanda disparou depois da imposição de planos de austeridade pela “troika”. Fora da ortodoxolândia, a divisão essencial não se encontra entre gastar muito ou pouco mas entre gastar bem ou mal.

 
Obviamente que esbanjar dinheiro em armamento ou outros investimentos não produtivos conduzirá um país a um aumento da dívida pública, pelo que é essencial garantir o rigor nas contas públicas. Mas gastar dinheiro em investimentos produtivos, como infra-estruturas de transportes ou de comunicações ou investigação científica e tecnológica, tem um efeito multiplicador na economia, na medida em que permite expandir a capacidade produtiva. Com uma economia mais dinâmica, temos mais emprego e mais riqueza a ser produzida, pelo que a receita fiscal será mais elevada e o défice orçamental será menor.

 
Também as transferências sociais têm um importante efeito multiplicador. Dado que a propensão marginal do consumo é superior nos mais pobres que nos mais ricos, transferir riqueza dos segundos para os primeiros resulta numa expansão do consumo. Por outras palavras, um euro a mais no bolso de um pobre contribui mais para a dinamização do consumo que um euro a mais no bolso de um rico. Um sistema de Segurança Social não tem, portanto, apenas a função de reduzir as desigualdades mas também permite ter uma economia mais forte.

 
Infelizmente, é muito difícil aceder a estudos como estes através da comunicação social, que frequentemente promove a comentadores de Economia indivíduos que proferem baboseiras como se fossem verdades absolutas e que na sua maioria não têm qualquer currículum científico. Daí que uma das principais tarefas da esquerda seja hoje a de furar o muro da ortodoxia, abrindo a Economia ao mundo real e às pessoas que nele vivem. Fica aqui um modesto contributo para essa luta.

Para visualizar gráficos e trabalhos originais:
http://gesd.free.fr/stockham.pdf
1 Stockhammer, E. (2007) “Wage Moderation Does Not Work: Unemployment in Europe”, Review of Radical Political Economics, 39(3): 391-397. Disponível em http://gesd.free.fr/stockham.pdf.

 
2 Chick, V. and Pettifor, A. (2010) “Fiscal Consolidation: Lessons from a Century of Macro Economics”. Disponível em http://www.debtonation.org/wp-content/uploads/2010/06/Fiscal-Consolidation1.pdf


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Como o BCE se converteu no depósito de todo o lixo bancário europeu

Como o BCE se converteu no depósito de todo o lixo bancário europeu

O Banco Central Europeu encontra-se a viver a sua própria grande crise e a possível reestruturação da dívida grega põe-no à beira do colapso. Por Marco Antonio Moreno

Artigo
30 Maio, 2011 - 14:00

O guardião da moeda única comprou em segredo milhares de milhões de euros de activos de risco - Foto de Jean-Claude Trichet, presidente do BCE O guardião da moeda única comprou em segredo milhares de milhões de euros de activos de risco como ajuda colateral para escorar os bancos privados dos países que lutaram para manter à tona a precariedade das suas finanças. O ponto crucial é a queda abrupta e contínua dos activos imobiliários, que sofrem descidas que chegam até 60%. Uma descida que continuará, dado o estado crítico destas economias que não conseguem dar sinais de recuperação, devido aos erros gritantes cometidos no passado.

 
A crise imobiliária desencadeada pela privatização massiva do solo, tem convertido muitos lugares do mundo, da Califórnia a Dublin, em verdadeiras cidades fantasma, com construções por acabar que ficaram paralisadas após a eclosão da crise, com a deterioração de materiais e a desvalorização do solo. Estas cidades fantasma pesam nos balanços bancários e o seu volume é tão grande que não é possível assumir a perda e continuar em frente. Mais ainda quando a economia global se encontra num estado famélico, com um desemprego lacerante que impossibilita qualquer ideia de recuperação.



Ao contrário dos Estados Unidos, onde a crise imobiliária se liquefaz com um dólar que serve de divisa mundial ao resto do mundo para aceder ao comércio internacional, o caso europeu mostra toda a crueza da crise porque o euro nunca lutou para impor-se como divisa internacional. Desta forma todas as perdas ficam a nível europeu sem poder dissolvê-las no mercado mundial e todos os empréstimos incobráveis terminam no balanço do Banco Central Europeu. Este banco torna-se assim depositário de todos os números vermelhos, convertido no verdadeiro “banco mau” (ou depósito de lixo) que devia ter sido criado após a crise.



Recordemos que no início da crise se falou da criação de um “banco mau” depositário de todos os activos tóxicos, mas esta ideia naufragou pela arrogância de quem sustentava que a crise era um fenómeno transitório. Desta forma o Banco Central Europeu tornou-se depositário de todos os riscos e números vermelhos. Foi assim que os bancos privados descarregaram todos os seus riscos nos bancos centrais e estes distribuíram grandes somas de dinheiro às instituições financeiras para evitar o colapso da banca e repetições de casos como o Lehman Brothers. Desta forma, em troca de activos desvalorizados, ou hipotecas lixo, a banca recebeu dinheiro fresco para continuar a apostar no mercado e distribuir apetitosos dividendos aos seus accionistas. Finalmente, e através dos bancos centrais, todos estes riscos, que são de vários milhares de milhões de euros, foram transferidos ao Banco Central Europeu, que acumula na sua folha de balanço perdas que ameaçam afundar toda a Europa.



Os riscos não assumidos pela banca privada foram parar ao balanço do BCE e é por isso que uma reestruturação da dívida grega ou, pior, uma falta de pagamento, põem em alerta o BCE face a uma possível bancarrota. O BCE comprou títulos do Governo grego por 47 mil milhões de euros e desde Abril gastou cerca de 90.000 milhões de euros no refinanciamento dos bancos gregos. Para toda a Europa, o BCE acumulava no começo do ano mais de 480.000 milhões de euros nestes activos duvidosos e até ao momento nenhum perito é capaz de dizer como o BCE pode desfazer-se destes valores sem assestar um golpe fatal no sistema bancário europeu. O BCE está numa situação sem saída e agora converteu-se num gigantesco banco mau ou, por outras palavras, num depósito de todo o lixo bancário europeu.



O ex-presidente do Bundesbank, Axel Weber, criticou na altura o programa do BCE de comprar títulos de Estados e de bancos falidos e esse foi o motivo da sua renúncia que o deixou fora do caminho para suceder a Jean Claude Trichet. O tempo está a dar razão a Weber de que estes bancos deviam ser condenados à falência sem misericórdia e e eu acrescentaria que os seus executivos também deveriam ser condenados à cadeia. Enquanto não chegam ao cárcere os banqueiros culpados do grande descalabro financeiro que vive a Europa, os Estados Unidos e o mundo inteiro, continuaremos desgraçadamente a proteger e legitimar as fraudes das finanças modernas, plenamente permitidas.

Artigo do economista Marco Antonio Moreno, publicado em elblogsalmon.com. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net